Quando vejo motoristas e veranistas se queixando de engarrafamento na freeway, penso nas primeiras viagens que fiz a Tramandaí, na pré-história da minha infância, lá pelos anos 1950. Era raro encontrar outro carro na estrada, mas levávamos um dia inteiro para completar o percurso entre a Capital e o Litoral pela RS-30, que depois da nova rodovia ganhou o apelido de Estrada Velha. Saíamos de Porto Alegre antes de o dia clarear e só chegávamos à beira do mar no final da tarde, invariavelmente tendo que adiar o primeiro banho para a manhã seguinte. No máximo, molhávamos os pés na espuma gelada.
O veículo da excursão familiar era uma caminhoneta Ford-38, furgão que meu pai utilizava para distribuir leite a domicílio. Naqueles tempos pretéritos, o leite era engarrafado. Engradados de ferro ou latão, com 10 litros, eram retirados pelos distribuidores no antigo Deal (Departamento Estadual de Abastecimento de Leite) e entregues de casa em casa, de apartamento em apartamento. Eu mesmo, numa época em que o trabalho infantil era obrigação e honra no ambiente familiar, ajudei algumas vezes na atividade que nos sustentava.
Pois a velha Ford, impulsionada a manivela e com um radiador insaciavelmente sedento que nos obrigava a carregar provimento extra de água, arrastava-se a uns 40 quilômetros por hora pela esburacada faixa asfáltica. Era uma estrada precária, parte ainda de terra e tão estreita, que, em certos trechos, o carro tinha que parar no acostamento para outro passar. Curiosamente, havia controle de velocidade: ao longo do caminho, tinha-se que parar nos chamados "destacamentos", guaritas de madeira localizadas em pontos de referência onde o policial rodoviário preenchia um papel com o horário da passagem, para ser entregue e conferido no posto seguinte. Chegar antes do previsto dava multa, pois significava, na era pré-radar, que o sujeito correra demais. Contam meus parentes mais antigos que, por conta dessa fiscalização pouco usual naqueles tempos de trânsito incipiente, certa vez um velhinho chegou esbaforido no posto de Santo Antônio, com sua fubica (automóvel velho) fervendo, e foi logo reclamando para o fiscal:
– Bota um horário mais longo. Quase não consegui chegar a tempo.
Acampávamos na beira da praia, nas proximidades do antiguíssimo Hotel Siri, e dormíamos no próprio carro, em beliches improvisados com tábuas, que às vezes desabavam no meio da noite. Uma de nossas diversões de meninos era recolher conchinhas na areia. Tinha bastante. A história de Tramandaí conta que o lugar já foi chamado de Paragem das Conchas. Foi de lá que trouxemos uma dessas maiores, que se cola ao ouvido para captar o som do mar.
A explicação científica é desprovida de graça. O que se ouve, na verdade, é o som ambiente que a concha capta e potencializa. Dá para fazer o mesmo com uma xícara vazia posicionada sobre a orelha.
Mas a concha – asseguro-lhes – tem a propriedade de emitir o ruído das ondas de um modo muito especial, acrescentando à sensação auditiva as mais doces recordações evocadas pela magia do mar.