Em condição normal de temperatura, pressão e nível do Guaíba, o Grêmio estaria obrigado a ganhar do The Strongest para continuar dependendo só dos seus resultados para se classificar às oitavas da Libertadores. E o Inter não menos obrigado a vencer o Belgrano, onde quer que jogasse, para ficar com a única vaga direta do grupo na Sul-Americana.
No entanto, condição normal é uma expressão que não nos pertence e nem pertencerá por tempo indeterminado. Não há gremista, colorado ou jornalista que possa projetar com alguma dose de previsibilidade qual será a reação de Grêmio e Inter daqui para diante em sua vida cigana.
O fato, porém, é que eles já treinam de corpo ausente e mente presente em relação à tragédia climática gaúcha e, se quiserem ir adiante nas competições internacionais em que estão envolvidos, precisarão vencer seus jogos. Se o olhar não levasse em conta o tempo sem treinamentos e a sanidade mental de quem está trabalhando longe da família, seria possível dizer que Inter e Grêmio estão tecnicamente mais aptos a ganhar porque tiveram um tempo inesperado para recuperar jogadores importantes.
O Grêmio terá Reinaldo de volta à lateral esquerda. O Inter poderá, pela primeira vez, colocar em ação o trio Alan Patrick/Borré/Valencia e também o retorno de Aránguiz. Fosse apenas pelo quesito técnico, o favoritismo da dupla Gre-Nal contra seus frágeis adversários neste meio de semana estaria intocado e até ampliado.
Na atividade humana, no entanto, nada é tão simples como a primeira vista sugere. Em tempos em que intensidade máxima tem mais valor do que qualidade técnica, o período que Grêmio e Inter ficaram se treinar pode comprometer o rendimento e, por óbvio, o resultado contra equipes claramente inferiores. Embora com altos salários e por isso mais capazes de enfrentar e superar adversidades como estas que os gaúchos estão vivendo, os jogadores foram treinar onde a vida está normal, mas as famílias continuaram na zona conflagrada que hoje é o Rio Grande do Sul e, especialmente, Porto Alegre.
Pode ser que um ou outro tenha conseguido levar os familiares para lugar seguro além do Mampituba, não todos e creio que nem sequer a maioria. Significa que as videochamadas serão insuficientes para dar aos profissionais de chuteira a certeza de que tudo está tão bem quanto possível com os seus.
Ainda que bem remunerados, o dinheiro não transforma o jogador em máquina sem alma. Pense você que me lê como seria trabalhar onde tudo funciona a pleno enquanto sua mulher e filho vivem enchente e alagamento, alagamento e enchente, inundação e caos, caos e inundação. Chegaríamos todos à conclusão de que normalidade é termo que não cabe nesta hora.
Grêmio e Inter serão ciganos respeitados Brasil afora. Terão admiração também na América do Sul pela valentia e resiliência em jogar sempre sem casa contra todo tipo de adversário. A terça e a quarta-feira darão a exata dimensão do que serão capazes de fazer neste cenário. Enquanto não entram em campo, este solidário colunista reitera a essência da coluna do fim-de-semana anterior.
Grêmio, Inter: façam o que puderem.