Por conta do que estamos vivendo em terras e águas gaúchas, a primeira providência deste comentarista esportivo é baixar ao mínimo a régua de exigência. O Inter investiu o suficiente para se candidatar ao título de campeão brasileiro que não ganha desde 1979. Porém, por tempo indeterminado, o time será um cigano.
Treinará e jogará em centros de treinamento e estádios emprestados, nunca estará em casa, não há quem faça ideia, neste momento, do prazo que vai levar para o Beira-Rio voltar a ser habitável e ter outra vez um gramado do nível que tinha, quando era justamente considerado um dos melhores do país. O atraso técnico e físico em relação aos concorrentes é evidente e irreversível, mesmo que haja uma parada de duas semanas de Brasileirão.
O Inter já tinha jogos atrasados, a eles se somará os que atrasam junto com todos os outros times do campeonato e seu título em 2024 será não cair para a Série B. Não se pode prever agora que tipo de atitude terão os jogadores colorados diante de tanta incerteza. Terão de treinar e jogar longe da família, não receberão o calor e nem a vaia de sua torcida, todos os lugares serão estranhos.
Como jogar futebol em alta performance com tanta imprevisibilidade? Sem uma casa para chamar de sua? A relação do time com sua gente recém se reconstruía e tinha muitos degraus a avançar. Jogadores essenciais voltavam de lesão e se preparavam para uma nova tentativa junto a colorados ressabiados. E agora?
O Grêmio cogitava uma janela de meio de ano complementar à do ínicio de 2024 para fazer seu time mais competitivo e ser concorrente forte a todos os títulos em disputa. Porém, depois das imagens aéreas que mostram o gramado da Arena ainda completamente tapado de água suja, é inviável qualquer previsão sensata de retorno dos jogos no seu estádio.
Recebi de uma boa fonte a informação de que talvez seja impossível atuar na Arena até o fim deste ano. O campo apodreceu, não há ainda como medir se o sistema de drenagem foi atingido, as dependências de subsolo do estádio estão completamente impraticáveis e a água sequer começou a baixar de forma contínua no Farrapos.
Os dirigentes foram tão ágeis quanto possível para abrigar elenco no centro de treinamento do Corinthians e firmar acordo com o Coritiba para jogar no Couto Pereira. Só aqui já se percebe o nível da dificuldade. O Grêmio treinará numa capital brasileira e jogará em outra.
Assim como o grande rival, não estará nunca na sua casa, vai tentar firmar alguma raiz em território estranho. Já campeão gaúcho e disposto a se candidatar seriamente na Copa do Brasil e na Libertadores, o Grêmio talvez tenha que usar o dinheiro dos direitos a entrar no meio do ano não para reforçar o time e sim para recuperar o CT e o próprio estádio, ainda que a gestão da Arena não pertença hoje ao Grêmio. Da mesma forma que o Inter, o segundo título da temporada, este simbólico, será permanecer na Série A diante deste contexto.
Juventude
Seria exagero escrever que o clube de Caxias do Sul teve sorte em não perder sua sede para jogar e contar na cidade com um aeroporto que lhe garante deslocamentos com o mínimo de conforto. Não há espaço para a palavra sorte nesta hora em que o Rio Grande vai precisar contar com sua própria gente, acima de tudo, para se reerguer.
Porém, diante do que viverão Grêmio e Inter a jogar por aí até Deus sabe quando, o Juventude estará numa condição mais próxima da normalidade. A campanha feita até aqui neste início de Brasileirão sinalizava possibilidade real de escapar de um descenso logo após o acesso.
A dose de vida normal para o Juventude, neste caso, é maior comparada aos gigantes da Capital. Roger Machado terá o desafio adicional de enfrentar o Inter na Copa do Brasil. Nada é sequer parecido com a rotina de 10 ou 15 dias atrás. O futebol não escapa da sensação ruim de perplexidade e incerteza que acomete todos os gaúchos e gaúchas nesta hora.