Neste domingo, eu e meus irmãos estaremos almoçando com meu pai. José Mauro Saraiva fará 81 anos em 20 de dezembro e tem a saúde frágil. Tomara que consiga perceber o carinho à sua volta.
Estará cercado das lembranças de cada filho, todos tentarão fazê-lo lembrar com a mesma clareza e intensidade de cenas que estão muito distantes para ele, talvez seja uma balbúrdia. As minhas memórias remontam os cinco anos de idade, eu a ouvir futebol nas tardes de domingo a seu lado.
Numa destas, quando alguém fez o gol e o narrador gritou, ele me perguntou se eu queria ser o cara que fez o gol. Respondi que queria ser o que estava falando no microfone.
É possível que eu já tenha contado esta história aqui mesmo na coluna em algum outro momento, talvez até num Dia dos Pais desde agosto de 2015, a primeira data festiva em que pude fazer coluna a respeito em Zero Hora, onde comecei a escrever em 7 de setembro de 2014. De qualquer forma, a história é tão determinante na minha vida que vale repetir.
O futebol em mim nasce com a parceria do meu pai. Ele jogava no gol, bom goleiro de futebol de salão — futsal era termo que não existia à época. O imitei na posição escolhida, adaptava luvas surradas de inverno para proteger as mãos, as de goleiro mesmo eram muito caras.
Meu presente de Natal sempre foi uma bola nova. Lembro de uma cor de tijolo, bola número cinco. Cheia, dura, cada chute que estourava nas minhas pernas era uma chicotada e eu não dava um pio. Imaginava-me um goleiro profissional a salvar meu time em defesas impossíveis. Mesmo jogando direitinho na posição, sempre gostei muito mais de ver do que de jogar futebol, daí minha resposta tão precoce sobre o que eu queria fazer na vida.
Meu pai torce para o Inter, minha mãe, para o Grêmio. Mesmo em sua condição de torcedor, sempre percebi nele um senso crítico altíssimo em relação à sua paixão. Cresci escutando do seu Mauro que preferia perder roubado do que ganhar roubado.
Nunca foi condescendente com os jogadores para quem torcia e, especialmente, nunca ouvi dele nenhuma crítica a um jornalista por considerá-lo supostamente gremista ou um elogio a outro por interpretá-lo como supostamente colorado. Isso não fazia parte do seu critério de gostar ou não do narrador e do comentarista. Foi assim que aprendi a ver futebol.
Sem acreditar em vitória a qualquer preço. Não cabe nesta coluna declarar se segui meu pai ou minha mãe quanto ao meu time de infância. Não somaria nada na minha carreira à esta altura autorizar que colorissem minhas opiniões. O que estou fazendo neste fim-de-semana de Dia dos Pais é uma homenagem a meu pai pela forma como me ensinou a ver futebol.
Não está errado quem torce a ponto de não ver mérito no adversário, quem debruça o olhar só sobre seu time, a paixão explica. É provável que a imensa maioria de torcedores e torcedoras seja assim e não vou fazer juízo de valor a respeito. No entanto, para a profissão que escolhi, aprender a ver o jogo dando prioridade ao cérebro e não ao coração me facilitou alcançar o sonho de viver de comentar futebol. Sou grato ao Tata por isso.
Agora, entro noutro capítulo desta história. Meu filho completou três meses no último cinco de maio. A Danny, mãe do Gael, é colorada. Daquelas que acha que o Inter ganha, empata ou é roubado. Já fardou o guri, não interferi, é ela quem convive 24 horas por dia com ele. Se o Gael, ao crescer, continuar colorado ou virar gremista por qualquer razão, o que pretendo apresentar a ele para sua escolha é o jeito de ver futebol que meu pai me ensinou.
Não forçarei esta visão nem uma vocação para o jornalismo. Ele será o que bem quiser em qualquer dos quesitos da vida. Mas vou tentar mostrar todas as facetas do torcer sem perder a capacidade de enxergar o jogo como um todo tal como meu pai fazia. Também vou alertá-lo de que há um risco intrínseco neste olhar diferente caso venha a ser jornalista esportivo no futuro.
Comigo aconteceu, quando materializei o sonho de trabalhar neste ofício, de perder completamente a naturalidade do gesto de comemorar, braços abertos e punhos fechados, um gol, uma vitória ou um título. Nem a Seleção provoca em mim esta emoção. O que me encanta hoje é o jogo bem jogado, o vencer por merecimento.
Não pretendo que seja esta a regra para todo mundo que comenta futebol profissionalmente. É pessoal. Aconteceu comigo, pronto. O Gael vai ver futebol do seu jeito. E nem estou levando em conta a possibilidade real de que, ao crescer, ele não se apaixone por futebol e sim por badminton. Mas vou ficar mais feliz, é verdade, se meu filho for apaixonado por futebol como o pai. Vejo como legado do avô para o neto. Eu seria só a ponte.
A rodada
O Inter vai titular ao Rio contra o líder. O Engenhão estará abarrotado, o Botafogo está confiante como se não tivesse perdido o treinador para a Arábia. O time de Coudet ganhou corpo e casca ao eliminar com justiça o River Plate na Libertadores. No Brasileirão, se encontra na segunda e perigosa página da tabela. Precisa com urgência sair de lá.
O Grêmio recebe o Fluminense, para quem perdeu vaga no G-4 na rodada passada. A derrota para o Vasco teve mau futebol, mas o treinador gremista só começou a treinar sua equipe quarta-feira à tarde. Para quem precisa reagir rápido para retomar o padrão no campeonato e se preparar para uma epopeia no Maracanã pela Copa do Brasil quarta-feira que vem, o Grêmio trabalhou menos do que deveria.
Logo após a derrota para o Flamengo na Arena, eu disse corajosa ou insensatamente que o Grêmio ia classificável para o jogo da volta. A piorra maluca que virou o Flamengo depois da eliminação na Libertadores torna mais robusta esta possibilidade.
Mas para conseguir a façanha de vencer por dois gols de diferença e abrir a pênalti, o Grêmio precisa jogar muito, mas muito mais futebol do que nas duas últimas vezes em que entrou em campo. E o primeiro a saber disso é Renato Portaluppi.