Passado o pior momento da campanha do Grêmio na Série B, a demora em confirmar matematicamente o acesso à Série A, o jogo da sexta-feira (28), contra o Tombense, e o que encerra a temporada na Arena, contra o Brusque, são uma espécie de assinatura do que foi o 2022 do Grêmio. A palavra mais utilizada por quem veste azul para definir o 3 a 0 sobre o Náutico que assegurou a volta foi alívio. Não se falava em felicidade, alegria, só em dever cumprido, como disse Renato Portaluppi sem mostrar nenhum dente na boca assim que a partida terminou. Não era exagero do treinador, não era má vontade da torcida. Apenas o fato que corrobora o tamanho do Grêmio: retornar a seu lugar no cenário do futebol brasileiro não foi mais do que a obrigação.
O cenário que se desenha a seguir me lembra, guardadas as proporções e adequando o termo ao mundo do futebol, o pós-guerra. O novo presidente e o próximo técnico, Renato ou não, vão precisar construir do primeiro tijolo em diante. Não há uma base em cima da qual se trabalhe em ajustes para chegar a um time de futebol competitivo. O que existe são peças soltas que precisarão dar liga com quem vier da base e quem chegar do mercado. Mesmo alguns dos maiores ídolos recentes da torcida estarão sob desconfiança quando o 2023 começar porque a régua de exigência terá subido e a certeza de boa resposta inexiste. Discutir Geromel, quem há de? Suspeitar que Diego Souza não seja suficiente para superar zagueiros melhores do que os da Série B, quem há de? Pois bem, leitor e leitora gremistas, o novo comando do clube terá esta missão espinhosa e inevitável.
Geromel, fantástico zagueiro que o Grêmio trouxe da segunda divisão espanhola, terá 38 anos. Diego Souza, o goleador protagonista do Grêmio em 2022, estará um ano mais velho, vindo de cirurgia de hérnia inguinal e com as dificuldades já conhecidas para se manter no peso que o deixaria mais competitivo na lida com os defensores adversários. Lucas Leiva, que também avança na faixa dos 30 anos, poderá dar melhor resposta com uma pré-temporada que não teve em sua chegada. No entanto, trata-se de uma perspectiva, não de uma certeza, a mesma incerteza que cerca, por razões diferentes, o retorno de Ferreira. O atacante seria fundamental para elevar a qualidade geral do time, mas alguém haverá de bancar que Ferreira terá um ano livre de dores e lesões que o atormentam regularmente?
Mesmo quem a base revelou e terminou 2022 em alta terá futuro incerto na Arena. Ao mesmo tempo em que seria importante manter Bitelo para garantir ponto de partida no meio-campo, o jovem jogador é também o melhor ativo do clube para uma venda que alivie suas finanças vindas de Série B e ajude na contratação de novos jogadores. Se Bitelo for vendido, ainda assim não será pelo preço que o Grêmio se acostumou a conseguir por suas joias feitas em casa. Nada parecido com Arthur, Everton, Walace ou mesmo Pedro Rocha, que saíram deixando dinheiro em caixa depois de alcançarem resultados de campo expressivos. Bitelo não seria sequer uma venda parecida com a de Tetê, quando entrou bastante dinheiro mas o Grêmio não chegou a contar com o atacante no time titular para almejar títulos porque o vendeu por conta de desacertos do procurador do jogador com Renato Portaluppi antes de ele se afirmar no profissional.
O atraso do Grêmio para iniciar a reconstrução do seu pós-guerra tem origem na data da eleição e, ato contínuo, na negociação imprevisível com Renato Portaluppi. A imprevisibilidade tem duas frentes: não se sabe se a conversa vai virar acordo e muito menos quanto tempo será necessário para que todas as pontas sejam ajustadas e Renato, anunciado. A premissa, você já leu nesta coluna e fins-de-semana anteriores. Renato Portaluppi até pode cogitar trabalhar noutro clube sem a autonomia de que desfruta na Arena. No Grêmio, entretanto, não vejo por que razão abriria mão do que sempre teve em termos de liberdade de ação, gesto e palavra. Agora mesmo, na hora ruim em que duvidou que subiria, o ídolo foi procurado justamente pela condição de ídolo. A ele, a direção prometeu carta branca e o remunerou acima de qualquer padrão de mercado para tão pouco tempo de competição. Objetivo alcançado, idolatria reforçada, eleição à vista com os dois candidatos afirmando Renato como seu treinador para a próxima temporada, a condição negocial do profissional é invejável. Não identifico ninguém no futebol brasileiro com tanto poder de barganha na mesma de negociação. Então, a lógica diz que não será uma conversa rápida. A menos que o Grêmio contrate sem consultar o técnico, terá que esperar. Se já não tem dinheiro para grandes arroubos, precisaria ser ágil e certeiro nas escolhas, o que demandaria rapidez de quem fosse ao mercado.
O pós-guerra gremista não vai prescindir de cinco reforços para o time titular e pelo menos outros cinco para o grupo de jogadores. Dez contratações, combinemos, não se faz no afogadilho. Não existe um atacado onde um dirigente compre meias e atacantes de baciada. Mesmo partindo do princípio de que Alberto Guerra e Odorico Roman já estejam monitorando o mercado, é o máximo que avançam neste momento. Nada além de promessas podem fazer aos jogadores-alvo de seu interesse. Neste ínterim, o clube que chegar com mais dinheiro e bom projeto de temporada leva o jogador que o Grêmio gostaria de contratar. Quem deixaria de ter um Natal mais tranquilo assegurado cedo ao invés de contar com a vitória deste ou daquele candidato para só então definir sua vida?
A tarefa do próximo presidente é das mais difíceis da história do Grêmio. O Vasco da Gama se atrapalhou contra o Sampaio Correa, o Bahia é um eletrocardiograma rodada a rodada, mas ambos deverão subir e terão, assim como o Cruzeiro, dinheiro externo para contratações que garantam, no mínimo, permanência na Série A no primeiro ano de retorno. O Grêmio, não. Só conta com a própria competência e criatividade. O presidente que entra precisará provar, em pouquíssimo tempo, que dispõe destas duas ferramentas.