Quem visse Alisson comemorando seu primeiro gol contra o Cuiabá imaginaria a conquista de título, tanta era sua empolgação, que se misturava a uma enorme indignação. Basta lembrar como Aílton comemorou o 2 a 0 que fazia contra a Portuguesa na final do Brasileirão em 1996 no Olímpico.
Vaiado ao substituir Dinho no segundo tempo do jogo em que o Grêmio vencia por 1 a 0, o meia carioca marcou de pé esquerdo um golaço que deu a seu time a faixa no peito e a taça no armário. Quando viu a bola na rede, Aílton se virou para as sociais, bateu no peito e começou a gritar: bate palma pra mim, bate palma pra mim! Justíssimo desabafo de quem sentia a crítica como demasiada ou pessoal e naquele momento dava à torcida que o vaiava a máxima alegria.
Voltando a Alisson, há pontos de contato na rápida história que acabei de contar. O meia-atacante surgido no Cruzeiro é visto com desconfiança pela maioria da torcida gremista, se as redes sociais não me traem nos sinais que emite. Não sendo protagonista e sim coadjuvante, cujo papel é de facilitador a quem joga mais do que ele, Alisson tem a presença entre os 11 questionada desde que virou absoluto titular.
De fato, tão pétrea titularidade não se justifica pelo que campo mostra. É possível apelar para funções secretas que só os iniciados em questões táticas conseguiriam ver, mas seria pretensioso por parte de quem viesse com esta conversa. Alisson não vinha jogando bem, e as críticas ao seu desempenho não eram injustas nem da torcida, nem da imprensa. Titular em 19 jogos na horrorosa campanha gremista, virou uma espécie de símbolo de um Grêmio que não dá certo.
Combinemos, é injusto e até cruel colocar sobre um só jogador o peso de um fracasso coletivo. Alisson não merece, como de resto nenhum profissional mereceria. Aqui, entra o mérito do jogador de confiança de Luiz Felipe Scolari, que antes tinha o mesmo papel com Tiago Nunes e Renato Portaluppi. Ele nunca entrega menos do que tudo em campo toda vez que escalado. Faz o corredor direito ou esquerdo, já foi escalado por dentro, ajuda lateral à exaustão, auxilia volante quando não tem a bola e tenta ser também atacante, sua posição de origem no promissor início de carreira que teve em Minas Gerais.
Vitimado por muitas lesões lá e também em Porto Alegre, Alisson teve atrasado seu processo de evolução como meia-atacante. Quando se recuperava, imediatamente virava opção para os treinadores que estiveram no Grêmio. Com Felipão não é diferente. Alisson é o tipo de jogador por onde um time não perde nem ganha jogo. A expressão que usei linhas acima reutilizo agora: ele é um facilitador. Presta serviço a um fora-de-série ou ao conjunto, não protagoniza. Aliás, até a página três.
Na quarta-feira passada, Alisson foi protagonista, sim. Impediu o Grêmio de perder em casa para o Cuiabá. A comemoração que rendeu a pauta desta coluna tinha a ver com as vaias e xingamentos de quem estava nas cadeiras e via tudo dando errado para seu time na primeira vez de estádio aberto desde março do ano passado.
Num básico exercício de empatia, coloque-se no lugar do Alisson. É humano, estava desafiado e submetido a um som que o fez enfiar os dedos nos ouvidos como forma de comemoração do gol. Agora coloque-se também no lugar de quem torce. Mais de um ano sem ir à Arena, time no Z-4 desde a segunda rodada, derrota recente para o Sport em casa, como pedir paciência a esta pessoa que, naquele momento, via o Cuiabá vencer a partida? Lucidez? Parcimônia? Como assim, cara-pálida?
Descontando os exageros, Alisson é o símbolo de um Grêmio que ainda pode escapar do rebaixamento pelo próprio esforço. Não seria símbolo de um Grêmio vitorioso e multicampeão. Seria ajudante. Mas neste, que precisa se superar a cada três dias, suar em bicas mesmo que não vá ser brilhante em momento algum, Alisson é representativo, sim.
Materializa o que o Grêmio pode fazer até dezembro. No melhor dos mundos, inspirará os companheiros a correr ininterruptamente, não desistir nunca, suplantar desconfianças e ter o sucesso possível ao final da epopeia. Cada vitória ou ponto ganho pelo Grêmio até a última rodada talvez só venha assim mesmo. Em tons épicos, um dvd a cada rodada, cãibras generalizadas, uma usina para acender uma lâmpada. É o que a casa oferece em pleno outubro de 2021.
Contra o Santos, pode haver três zagueiros, pode entrar Jean Pyerre de segundo volante, tudo pode para Felipão, na base de tentativa e erro, encontrar um rumo e consolidar o Grêmio à frente de quatro times do campeonato e, sangrando pelos poros, permanecer na Primeira Divisão para 2022. Caso a empreitada seja bem-sucedida, Alisson terá sido personagem da missão cumprida. Da mesma forma, se o pior acontecer, talvez grande parte da torcida encontre no nome dele a razão para o terceiro rebaixamento. O que, insisto, seria injusto e cruel com o ser humano e com o profissional.
Prefiro crer que Alisson terá reconhecido seu valor neste Grêmio de travessia que joga a temporada. No ano que vem, poderá ser útil outra vez. Num time bom que o Grêmio venha a montar, Alisson não será titular absoluto, o que não lhe tira relevância nem o diminui. Na Vila Belmiro, neste domingo à tarde, vai estar entre os 11. Depois do que fez na rodada anterior, merece.