
Como o microfone aceita tudo, está corriqueiro ouvir dos treinadores que não existe mais bobo no futebol, que o esporte está nivelado por baixo no Brasil e que é preciso compreender que as distâncias diminuíram entre os melhores e os piores.
Sugiro a quem consome futebol de alto rendimento sediado em sua paixão que debruce um olhar bem cuidadoso ao escutar estas premissas trazidas, geralmente, pelo treinador após um resultado ruim ou abaixo da expectativa.
Custo benefício
Na vida e no futebol, a essência para entender o valor de alguma coisa é o custo e o benefício. Em se tratando do esporte, custo financeiro X benefício esportivo. Os grandes clubes brasileiros se inflacionaram pagando exorbitâncias para jogadores que, segundo seus treinadores, são médios ou, no máximo, bons a excelentes.
O mundo da bola vê circular com naturalidade cifra de orçamento na casa do bilhão e de salário na casa do milhão. No entanto, medindo o valor nominal e a entrega esportiva, a conta não fecha e o primeiro a perceber isso é quem torce.
Redes sociais
Antes mesmo de qualquer analista esportivo, são o sócio e a sócia de Grêmio e Inter, por exemplo, que questionam por que estão pagando uma mensalidade para ajudar o clube do coração e recebem de volta performances tão desconectadas dos salários pagos a seus jogadores.
O resultado, via de regra, é uma cobrança forte no canal que lhes compete, as redes sociais. Como vem com sobrecarga emocional, boa parte destas cobranças excede e avança para a ofensa pessoal a quem está fraudando sua expectativa. E se forma o círculo vicioso que leva, quando o excesso vira o fio do excesso, a invasões em centros de treinamentos e até agressões a profissionais.
Contornos preocupantes
Quando quem torce para o Inter constata a entrega técnica pequeníssima de Valencia comparada à sua remuneração e vê o jogador saindo a passo ao ser substituído de um jogo que o Inter empatava contra uma equipe da Série D, a cena ganha contornos preocupantes.
Da noite da partida até eu escrever esta coluna, não houve colorado que tenha falado comigo sem abordar o episódio. Então, esta é a hora de treinador e dirigente do futebol colorado encostar no jogador e conversar seriamente com ele.
Desempenho x Salário
Há um fato: seu desempenho não bate nem de longe com seu ganho mensal. O custo ganha de goleada do benefício. Tornar Valencia um demônio não resolve, agrava. Fazer de conta que não está acontecendo não resolve, agrava. Logo, algo precisa ser feito.
Este, porém, é só um exemplo recente e importante de algo que se repete futebol brasileiro afora. A entrega em campo não corresponde ao ganho financeiro. Não raro, quando sob demasiada pressão, o profissional reclama dela e a percebe injusta. De fato, quando envereda para o pessoal, estão certos. Quando fica na esfera da atividade profissional, estão errados. Se não querem ser cobrados trabalhando em clubes gigantescos, revisem sua estratégia de carreira e procurem vaga no Olaria.
Caso particular
Posso trazer um caso particular na coluna para não parecer que falo de um mundo ao qual não pertenço. Ao errar a avaliação técnica que fiz sobre o futebol do volante Fernando, fui cobrado fortemente por torcedores colorados pelo equívoco, o maior que cometi numa carreira de 39 anos que tem muito mais acertos do que erros. Fiz a devida revisão no microfone e aqui, em Zero Hora, mas ainda hoje quem não me viu voltando atrás na análise malfeita me cobra nas redes sociais.

Aprendizado
Alguns, naquele tom devastador que agride a pessoa, não o jornalista. Se incomoda? Nossa Senhora, muito! Mas tenho claro que a cobrança se dá porque atuo numa empresa jornalística hegemônica em audiência, referência para quem consome jornalismo esportivo. Está no contracheque. Então, dou meu jeito.
Tomo ainda mais cuidado ao analisar o desempenho de quem calça chuteira ou está na casamata. Aprendo. Não há outro caminho. A menos que eu decidisse deixar de ocupar o espaço que ocupo, o que não me passa nem remotamente na cabeça. Guardadas as proporções, é o que precisa acontecer também no universo do salário de três dígitos pago a quem entra em campo, faz ou toma gol, ou a quem comanda na beira do campo o time que entra em busca da vitória.
CPF do responsável
Quanto à irresponsabilidade que levou o futebol brasileiro a pagar muito a quem joga menos do que recebe, só vai diminuir quando o dirigente for responsabilizado no CPF pela condução financeira de sua gestão. Não estou falando de dolo e sim de gestão temerária. Mas aí é assunto para outra coluna.