Dois gigantes, muito longe de seus melhores momentos, são capazes, ainda assim, de fazer um jogo enorme na terça-feira (2), no Mineirão. Quem visse brasileiros e argentinos enfrentando adversários francamente inferiores nas quartas de final, e nem por isso conseguindo jogar bom futebol, teria direito de duvidar da primeira frase deste texto.
O Brasil está sem seu protagonista, e o conjunto não deu liga até agora. A Argentina conta com seu fora de série, mas ele não joga nem metade do que pode em meio à renovação proposta pelo treinador — que também não está consolidado no cargo. Tudo parece provisório para Brasil e Argentina neste fim de junho.
Porém, para projetar a semifinal, há de se relativizar toda a merecida crítica que as duas seleções vêm sofrendo. Agora é outra coisa. Um jogo só, 90 minutos, em que Argentina e Brasil tentarão equilibrar o emocional para, a partir daí, melhorar nos quesitos em que estão abaixo do esperado — isto é, todos os demais. Mesmo com estes obstáculos a enfrentar, Brasil x Argentina será de parar os dois países na frente da TV e de emocionar quem gosta de futebol.
O melhor treinador do País treina a Seleção desde antes da Copa do Mundo da Rússia. Ensaiou formatar uma equipe capaz de ser hexa, mas ficou pelo caminho diante de uma Bélgica talentosa, que encontrou brechas na estrutura brasileira para vencer o jogo eliminatório. De lá para cá, Tite ainda não encontrou uma nova via para ter um time confiável. Sem Neymar, o inesperado protagonista virou Everton, que está em estágio inferior se comparado com a grande estrela brasileira e, por isso, não pode ter sobre as costas o peso de resolver sozinho a parada.
Tite padece de jogadores cujos corpos dão a impressão de ser oprimidos pela camisa da Seleção. Nenhum caso é mais emblemático do que o de Philippe Coutinho. Joga numa função que centraliza toda a atividade criativa da equipe. Parece pesado demais para ele. Coutinho se perde em miudezas, seu jogo picotado em nada lembra a objetividade com que se destacava no Liverpool. Arthur carece de superar a limitação imposta por si mesmo, de pouco aparecer na frente. Renato já insistia com ele, Valverde repete no Barcelona e Tite reitera na Seleção. Grande jogador, este Arthur, mas pode e precisa avançar sobre o estágio em que se encontra. Aparecer na zona de conclusão, arriscar o chute de fora da área e, especialmente, entrar na área sem mandar um ofício antes.
Não bastasse isso, Tite vê um Firmino vacilante, que não repete sua irresignação sob o comando de Jürgen Klopp. Por fim, há um esquema tático que soa como mordaça ao talento individual. A bola anda muito em paralelo ao gol, a iniciativa pessoal escasseia e a marcação alta, quase não se vê. A grande hora para uma virada é esta: ganhar da Argentina nos 90 minutos e com grande desempenho. De novo, Everton será o único jogador de quem se espera o diferente, o inusitado, a desobediência civil. É pouco para uma Seleção Brasileira. Quando Neymar se livrar de suas dores e problemas pessoais, a missão de Tite será reintegrá-lo ao time sem sacrificar a titularidade do atacante do Grêmio.
Argentina segue sem explicações
Não bastaria um tópico de coluna para tentar explicar a diminuição de Messi quando deixa de vestir a camisa do Barcelona para fardar de azul e branco. Uma parte é o time, que está em vagaroso e doloroso processo de renovação e não acompanha a qualidade superior do seu camisa 10. A outra parte da resposta, porém, está no próprio Messi. Algo acontece na mente do craque que lhe tira a naturalidade com que dribla, chuta e se movimenta quando no seu clube.
Se apelar para a psicologia de boteco, parece faltar pertencimento a Messi. No Barça, onde se formou púbere e virou homem rico e bem-sucedido, sente-se seguro e acarinhado desde sempre. Todos confiam nele, sem vírgula _ e, no eventual insucesso, acolhem-no com palavras carinhosas e um abraço caloroso. Na Argentina, a confiança vem precedida de um olhar enviesado, do tipo "dá um jeito de levar o time nas costas, porque Maradona fez isso e foi campeão mundial assim." Seja lá qual for a razão ou as razões que travam Messi, é nele outra vez que estarão o holofote e a esperança dos argentinos para este jogo de terça-feira. Contra a Venezuela, na sexta, jogou pouquíssimo, menos ainda do que nas partidas anteriores. Nem precisou, a Argentina bateu os venezuelanos por 2 a 0 ao natural.
Agora, não. Se não houvesse ninguém dentro das camisas, já seria um encontro de totens do futebol sul-americano e mundial. Ganhar ou perder pode representar a superação da desconfiança e uma ponte para o futuro, ou o afundamento numa crise de proporções imprevisíveis. A já citada renovação da seleção argentina traz muitos jogadores em transição, nomes que não têm ainda relevância no contexto maior do futebol global.
A defesa é frágil e baseia-se em Otamendi, veja só. Os volantes, comuns. Dos talentosos mais antigos, Di María vive mau momento técnico, Agüero não repete as atuações do City e Messi... bem, Messi ocupou mais de metade deste texto.