O torcedor do Barcelona tem mais razões para se sentir finalista da Liga dos Campeões do que o do Ajax. Basta ver o tamanho de cada vitória — diante de sua torcida, os catalães golearam por 3 a 0 no Liverpool, enquanto os holandeses fizeram 1 a 0, na casa do Tottenham. Mas é sobre o time da Holanda que pretendo dedicar as próximas linhas desta coluna.
Na condição de quem acredita que competitividade e encantamento não são excludentes, o Ajax me representa. Para não ficar só na admiração genérica pelo que Erik Ten Hag está fazendo, fui ver os gols que o Ajax vem marcando na Eurodivise e na Liga dos Campeões em 2019. Então, pude constatar que nada do que o Ajax apresenta ao mundo recentemente acontece por acaso. Ferran Soriano, ex-dirigente do Barcelona e hoje no Manchester City, escreveu A Bola Não Entra por Acaso para explicar aquela fase espantosa do Barça multicampeão.
Foi do que me lembrei ao ver cada gol marcado pelo Ajax. Sobram placares de várzea, tipo 7 a 1 ou 8 a 2 na competição nacional, o que escancara a diferença técnica enorme entre o gigante e a maioria dos seus rivais. A pedra de toque de mais de 80% dos gols marcados pelo Ajax é a devoção pela troca de passes em extrema velocidade. Em no máximo quatro toques, quatro a cinco jogadores do Ajax aparecem na zona de conclusão para fechar a jogada.
Se os jogadores de lado são importantes para o sucesso deste modelo, o sérvio Tadic é ainda mais. Trata-se de um armador que parte da posição de centroavante. Adiantado ou voltando, é ele quem distribui a bola que voltará ao centro para ser chutada ou cabeceada no gol. É como se Douglas ou D'Alessandro jogassem de centroavante. A diferença de Tadic está na velocidade de execução dos seus movimentos ofensivos. Na primeira fase de construção dos ataques do Ajax, quem se destaca é De Jong, já negociado ao Barcelona. Acerta passes verticais em quantidade industrial e faz a roda girar. Não bastasse todo este aparato ofensivo com bola em movimento, o Ajax é fortíssimo na bola parada para seu jovem capitão De Ligt, autor do gol da classificação na Liga sobre a Juventus em Turim em cobrança de escanteio.
Defensivamente, o time de Ten Hag tem menos força, até pelo seu viés tão ousado. A estratégia de adiantar sua linha de defesa até a intermediária na bola parada adversária traz altíssimo risco. Aliás, aí está a única forma possível de o Tottenham reverter o 1 a 0 do Ajax no jogo de ida. É uma equipe fisicamente muito forte. No confronto corpo a corpo, os ingleses podem se dar bem. Na lógica, porém, o Ajax vencerá quarta-feira e irá à decisão da Liga dos Campeões contra Messi. Perdão, contra o Barcelona de Messi.
Para fechar a lista das minhas admirações ao Ajax, o time que mais fez gols fora de casa nesta Liga, aplaudo a relativização do fator local que os holandeses impuseram no torneio. Desde as oitavas de final, o Ajax ganhou todas fora de Amsterdam. No seu estádio espetacular, no entanto, ainda não venceu desde o início das fases de mata-mata. A hora grande de sua afirmação chegou. Mais do que empatar e se classificar à final em Madrid, precisa vencer e impactar o mundo da bola além do que vem fazendo. Desde já, agradeço ao Ajax por trazer ao universo competitivo do futebol a reafirmação de que competir não exclui encantar. Indo ou não à final, obrigado, Ajax.