Se um dia o Galípolo chegar para mim e falar, 'olha, tem que aumentar o juro', ótimo, aumente. Ele tem o perfil de uma pessoa competentíssima, competentíssima, e um brasileiro que gosta do Brasil.
A declaração do presidente Lula, nesta sexta-feira (30), sobre seu escolhido para comandar o Banco Central vai na contramão do recente histórico de críticas ao patamar da Selic. Lula mudou completamente de ideia? Ou escolheu mandar um recado enviesado?
Elogiar publicamente a "competência" de quem ele próprio escolheu é mais do que esperado. É preciso notar que, para Lula, "gostar do Brasil" significa trabalhar pelo crescimento do país. Mas há vários caminhos para este sucesso, e muitas vezes a receita defendida pelo petista é muito diferente do roteiro perseguido pelo BC.
O costume do presidente em disparar indiretas é bem conhecido por seus auxiliares. Recentemente, incomodado com o que considerava um excesso de viagens de ministros, Lula convocou os integrantes do governo para uma reunião e disse a pessoas que nada tinham a ver com o caso que elas deveriam ficar mais tempo em Brasília e cuidar de suas verdadeiras atribuições.
Mas não é apenas a mania de mandar recados que causa desconfiança. Mesmo após indicar Gabriel Galípolo para a diretoria de política monetária do BC, Lula manteve críticas contundentes sobre a manutenção de juros altos. Estaria agora todo o problema resolvido com a saída de Roberto Campos Neto da presidência?
O mal-estar entre Lula e o atual presidente do BC, que foi indicado por Jair Bolsonaro, está longe de ser apenas uma divergência no campo da política partidária e ideológica. O petista já disse que "não se pode ter um BC que não está alinhado aos desejos da nação", e acusou Campos Neto de agir como político mesmo quando o BC tomou decisões unânimes sobre manutenção da Selic — inclusive com os votos de Galípolo e outros diretores indicados por Lula.
Sob o comando de seu escolhido e com três novos diretores que indicará até o final do ano, a promessa de autonomia plena será logo colocada à prova. E fica difícil acreditar que Lula não vai pressionar para que a vontade do governo seja implementada.