O presidente Lula sabia que a tendência era a interrupção na sequência de cortes na taxa básica de juro, por isso se antecipou em criticar a postura do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. É verdade que Campos Neto foi infeliz e irresponsável ao entrar em um debate eleitoral precoce envolvendo o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas. Mas o alinhamento do dirigente ao governo anterior não é novidade, e as críticas do petista também não começaram hoje. Neste momento, contudo, as reclamações de Lula deveriam ser substituídas por uma carta de gratidão. O motivo vai muito além de partidarismo.
Se no momento em que assumiu o terceiro mandato Lula tinha razão em estar otimista com a economia, agora a situação é completamente diferente. Por uma série de fatores, que incluem o descompromisso do governo e do Congresso em cortar gastos, os diretores do BC não deveriam ignorar que um novo corte da Selic poderia prejudicar o controle da inflação.
Na disputa política e ideológica, aliados de Lula argumentam que Campos Neto joga contra o país e o governo, e que a decisão do BC "é uma sabotagem a todos os esforços do governo para o crescimento do Brasil", como disse o líder na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Neste sentido, o fato de a decisão ter sido unânime, e portanto referendada pelos quatro diretores indicados no governo petista, mostra que tecnicamente era a postura mais responsável.
É verdade que a frustração na expectativa de se chegar ao final do ano com a Selic em um dígito é péssima para o crescimento do país. No entanto, Lula deveria ser grato ao Banco Central pela tentativa de se evitar uma disparada de preços. Como todo mundo sabe, a inflação atinge primeiro os mais pobres.
O petista deveria lembrar que a demora do BC em agir durante o governo de Jair Bolsonaro foi determinante, junto a uma série de consequências da pandemia, para que o país enfrentasse uma escalada de inflação que afetou diretamente a popularidade do então presidente.
Mais do que jogar a culpa na decisão do BC, Lula deveria utilizar seu capital político para mostrar um mínimo compromisso com as contas públicas, o que passa necessariamente por uma mudança radical na relação com o Congresso. Sem se envolver na articulação e angariar apoio para cortar gastos e fazer mudanças que corrijam distorções do orçamento, os números frios analisados pela diretoria do BC continuarão a mostrar a necessidade de juros altos.