Os riscos fiscais, ampliados pelo descumprimento do arcabouço fiscal, pressões sobre inflação e câmbio, que ronda a marca de R$ 5,50, levaram o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC) a interromper o ciclo de redução da Selic. Nesta quarta-feira (19), pela primeira vez desde agosto de 2023, o colegiado optou por manter a taxa básica de juro da economia em 10,50% ao ano. Esse patamar foi obtido em maio deste ano, quando por diferença de apenas um voto (5 a 4) os membros do Copom realizaram um corte de 0,25 ponto percentual.
Desta vez, a decisão pela manutenção foi unânime e, segundo o comunicado, o comitê "optou por interromper o ciclo de queda de juros", em razão de um cenário global incerto e doméstico marcado por resiliência na atividade e elevação das projeções de inflação. Segundo a nota, essas expectativas desancoradas demandam maior cautela.
No texto, o colegiado reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária
Na prática, afirma o economista e professor da FGV Mauro Rochlin, a reunião vale muito mais pelo placar do que propriamente pela decisão. Isso, segundo ele, porque a decisão já era conhecida, restava saber se o governo perderia de goleada, o que acabou acontecendo, ou não.
— Ou seja, a dúvida era se o BC faria um 9 a 0 pela manutenção, e se os próprios indicados pelo presidente Lula votariam (e votaram) pela manutenção da taxa. O discurso fica um pouco mais difícil para o governo. Na verdade, esse governo já teve muito crédito do mercado. Disse que queria gastar mais e que oferecia um arcabouço fiscal, uma disciplina fiscal para poder gastar mais, o mercado acreditou, a gente viu o endividamento subir e agora a gente vê o governo desrespeitar aquilo que ele mesmo havia proposto — argumenta.
Com base na movimentação, o economista e professor da UFRGS Marcelo Portugal alerta que existem dois caminhos possíveis. O mais provável e que também reúne a maior parte das apostas do mercado, diz, é que o nível atual seja mantido nos próximos quatro encontros do BC este ano, marcados para julho, setembro, novembro e dezembro.
— Até o final do ano, ou por mais alguns meses, pelo menos até que exista uma mudança que justifique alterar a taxa de juros para cima ou para baixo, então a tendência é que ela fique constante nos próximos meses. Porque, honestamente, funcionaria para fazer a inflação ir para a meta em 2025, porque para este ano, o efeito da política monetária já é limitado — analisa.
O segundo cenário, conforme sustenta o economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz, indica que já existem elementos para "infelizmente, começar a se pensar em novas altas a partir de hoje". Ele afirma que há seis semanas as expectativas de inflação para 2024 e 2025 aumentam.
— Sendo assim, o Copom precisa imediatamente interromper o ciclo de baixa para evitar uma escalada maior em 2025 e 2026 — comenta.
— Traduzindo: isso é consequência dos desequilíbrios fiscais do governo federal, que têm sistematicamente gerado déficits elevados. Para piorar, trocou a lei do teto pelo arcabouço fiscal, que já é uma regra tolerante com ampliação de gastos em termos reais, mas nem mesmo essa regra bem mais frouxa está sendo cumprida atualmente — crítica.
Enchente no Rio Grande do Sul é fator de pressão fiscal e para inflação
Nos cálculos do economista Marcelo Portugal, o Rio Grande do Sul pesou um pouco na inflação de maio. Na ponta do lápis, caso o desempenho do Estado fosse retirado do índice cheio haveria uma redução de 0,2 pontos percentuais nos 0,46% de elevação registrados pelo IPCA nacional no mês passado.
Ele lembra ainda que a inflação gaúcha foi disparada a maior do país com 0,87% de alta e representou cerca de 9 pontos percentuais da inflação nacional.
— Mas a diferença é que a gente começou realmente a deixar claro que vai abandonar o arcabouço fiscal, que não durou um ano, foi aprovado em agosto do ano passado e, em abril, quando o ministro teve de indicar os parâmetros para o orçamento de 2025, ele já mudou a meta (de meio ponto percentual, passou a ser um equilibrado de resultado primário) e tudo indica que em agosto ele vai provavelmente mudar de novo. É isso que está fazendo o dólar andar, é isso que está fazendo as pessoas começarem a achar que o BC vai ter que manter o juro mais alto. Se você olhar não o foco da inflação, mas olhar o mercado, já tem gente negociando Selic acima de 10,50% para agosto, setembro, outubro e novembro.
O economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, lembra que um Banco Central utiliza os juros para gerar inflação dentro da meta e, para isso, "ancora" as expectativas em torno das projeções futuras.
Segundo ele, além do câmbio, os juros influenciam nos indicadores de crédito, investimentos e preços de ativos. Por isso aconselha:
— Não se briga com os juros, mas com aquilo que o faz subir (descontrole fiscal). Reduzir essa discussão ao "bolsonarismo" é o negacionismo na sua essência — em referência às críticas endereçadas na terça-feira (18) por Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.