Etanol e biodiesel lideram a transição energética no país. Logo atrás vêm outros biocombustíveis, como biogás e biometano, que já têm arcabouço regulatório estruturado, seguidos de diesel verde e combustível sustentável de aviação (SAF), setores incluídos em programas nacionais de incentivos da Lei do Combustível do Futuro, sancionada no último dia 8, mas que ainda carecem de regulamentação e integração com outras políticas públicas setoriais. Em entrevista à coluna, a advogada especializada em biocombustíveis do escritório Stocche Forbes, Julia Barker, explica o que falta para destravar investimentos no setor.
Qual é sua avaliação da lei?
Temos níveis de maturidade diferentes para cada um dos setores. SAF (combustível sustentável de aviação) e diesel verde, por exemplo, são dois biocombustíveis novos, ainda não temos autorizações da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Por outro lado, etanol e biodiesel já estão mais consolidados. O biometano vem em ascensão, com visibilidade de investidores e normas da ANP consolidadas.
É suficiente para dar confiança a investidores?
Acredito que sim, não só pelo potencial brasileiro em volume de produção de biocombustíveis, mas também devido à capacidade de escoar e comercializar os produtos. Os principais desafios são integrar com políticas públicas setoriais, garantir segurança jurídica e destravar o potencial dos novos projetos.
Por onde começar?
Integrar as políticas públicas setoriais, como RenovaBio e programa Mover, que busca promover a substituição de frotas. As políticas públicas precisam caminhar juntas, porque não adianta fazer a transição de veículos se não existem corredores azuis e verdes. Também precisamos pensar em regulamentação local, não só federal, e há assimetria de maturidade entre as agências estaduais. Por exemplo, a Arcesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) tem regras específicas para biometano, que outros Estados ainda não pararam para pensar, apesar de já terem projetos em estruturação. Outro grande entrave é o Cgob (Certificado de Garantia de Origem de Biometano), previsto na lei. Não sabemos como vai funcionar a forma de rastreamento. Vamos ter de pensar em um sistema mais robusto de credenciamento, de controle, que vai ser implementado pelo CNPE (Conselho Nacional de Politica Energética), junto com a ANP.
O que estamos vendo hoje é o que vamos espelhar nos próximos biocombustíveis que ainda estão em situação incipiente, como o SAF, uma grande aposta do Brasil.
É no setor do biometano que está o maior gargalo?
Com certeza, porque é o setor que tem mais agentes entrando no mercado. Esperamos que o que ocorre com o biometano agora seja o futuro do diesel verde e do SAF daqui a alguns anos. O que estamos vendo hoje é o que vamos espelhar nos próximos biocombustíveis, como o SAF, que é uma grande aposta do Brasil. Já tem grupo de trabalho formado entre Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), ANP e outras entidades do Ministério de Minas e Energia para discutir a regulamentação final do SAF.
Dá para estimar tempo para avançar em regulação?
É uma curva de aprendizado conjunta. Muitos temas já estão pautados na agenda regulatória da ANP para 2025 e 2026. Então, vários dos temas que hoje ainda são controversos ou para os quais ainda não temos regulamentação serão tratados no próximo ano. São muitos pratos para equilibrar, mas nos próximos 12 meses, vamos ter regulamentação já mais robusta.
Quanto maior segurança jurídica temos em cada um dos mercados, maior o apetite do investidor (...). O aprimoramento da regulamentação é o próximo passo, é essencial e vai ocorrer
Isso tende a aumentar o apetite de investidores, certo?
Quanto mais segurança jurídica temos em cada um dos mercados, maior o apetite do investidor. Já vemos projetos saindo, conquistando linhas de financiamento, tendo investidores não só nacionais, como internacionais. Já é algo que está sendo movimentado. O aprimoramento da regulamentação é o próximo passo, é essencial e vai ocorrer. Nem todos os setores vão avançar juntos em 12 meses, é o risco do Brasil, mas estamos com a melhor das expectativas.
*Colaborou João Pedro Cecchini