Diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour esteve em Porto Alegre nesta quinta-feira (19), para um evento do Instituto de Estudos Empresariais (IEE). No day after da superquarta — essa sim mereceu o nome — avaliou que, por mais estranho que seja a combinação de juro em baixa nos Estados Unidos e em alta no Brasil, os dois BCs acertaram. Mas adverte que a situação fiscal no Brasil segue longe do conforto, com risco de estouro em 2027.
Qual sua leitura da superquarta?
O Fed baixou 0,5 ponto percentual, estava um pouco precificado mas não era o cenário-base. Foi bom que o BC tenha mantido a expectativa do mercado e elevado em 0,25 p.p. O comunicado até perfeito demais, porque Roberto Campos Neto havia falado em gradualismo e o mercado ficou em dúvida do que isso significava. O Copom poderia ter tentado apontar a dimensão do tamanho do ciclo, passar algum guidance (indicar a direção dos próximos movimentos), mas isso seria um erro. Por isso o comunicado foi perfeito: há muita incerteza daqui para frente.
Há expectativa de baixa do dólar, inclusive, não?
Ninguém sabe se alguma outra coisa vai incidir no dólar. E vai, porque há eleição americana em 50 dias, há dúvida se a economia americana está desacelerando muito ou não. Comprometer-se com uma direção seria um erro. Deixaram muito aberto e avisaram que as próximas decisões serão dependentes de dados. Mas avisaram que farão o necessário para reancorar as expectativas e trazer a inflação para a meta. Quanto mais aberto deixarem, quanto mais duro falarem, maior a chance de não ter de subir muito o juro.
Por que alguns analistas interpretam que agora o juro vai a 12%?
Há descompasso muito grande entre a demanda e a oferta, a economia está crescendo muito acima do potencial, o fiscal está expansionista demais. Quem acha que vai para 12% está certo, já que o BC sancionou que vai fazer o máximo para chegar à meta. Mas a leitura não é de que direcionou o mercado. Tudo vai depender da evolução dos demais indicadores.
Como vê uma das interpretações da decisão do Fed é que estaria sancionado o temor de recessão nos EUA?
O Fed tem mandato duplo, que é buscar tanto meta de inflação quanto pleno emprego. Enquanto a inflação não estava controlada, até abril, mesmo sabendo que o juro estava muito restritivo, com risco de desacelerar o mercado de trabalho, o Fed não baixou a guarda. Quando a inflação começou a retroceder, a preocupação com o mercado de trabalho e uma possível recessão aumentou. O que o Fed tenta fazer é manter a economia dos EUA do jeito que está: não muito aquecida, mas também não muito desaquecida. Vejo o Fed tentando compensar um "atraso". Se na reunião anterior soubessem que o desemprego iria subir tanto, talvez já tivessem cortado. O mercado vai precificar as próximas reuniões muito de olho no mercado de trabalho. Se o desemprego crescer muito, haverá expectativa de corte igual. Se não, deve voltar para 0,25 p.p.
Como o mercado avalia a questão fiscal, que entra nessa equação?
Para 2024 ainda existe o risco, porque o governo ainda conta com arrecadação que não está acontecendo. Então existe o risco de não cumprir a meta. Mas o mercado não está tão preocupado com 2024 porque ainda há espaços para conseguir receita aqui e ali. A economia está bem, a arrecadação está indo bem. Então não parece ser o caso de perder aquele piso da meta por muito. Mas a preocupação fiscal com 2025 e 2026 é crescente. Em 2025, a lacuna é muito grande. O mercado tem projeção de déficit de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões e tem meta zero. Há necessidade de arrecadação brutal. E o Congresso não tem mais disposição de aumentar imposto.
Como vê os acenos do ministro Fernando Haddad de medidas mais estruturais de corte de gastos?
É superfundamental ter uma medida mais estrutural. Os gastos obrigatórios estão crescendo muito acima do teto. Se não mexer nisso, não tem como sustentar o teto do arcabouço fiscal. É impossível. Há projeções de estrangulamento orçamentário. O Brasil pode ficar sem despesas discricionárias (investimentos). Isso é impossível. Vai fazer uma revisão dos gastos obrigatórios, isso é dado? O problema é quando. E como. Se não for feito, em 2027 vai estourar. A redução do Fed dá um alívio no juro de mercado e permite adiar um pouco essas reformas.