Um integrante do governo do Estado até agora pouco conhecido dos gaúchos foi designado para uma tarefa crucial para que o Rio Grande do Sul consiga não apenas sair da crise aberta pelo dilúvio de maio, mas abra opções para o futuro. Pedro Capeluppi é funcionário de carreira da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e esteve à frente da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia em 2022. Economista formado pela Universidade de Brasília (UnB), tem pós-graduação em Finanças, Investimentos e Banking pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Agora, é secretário extraordinário de apoio à reconstrução do Estado.
Uma projeção do governo do Estado suscitou dúvidas: seriam necessários R$ 3 bilhões para consertar rodovias danificadas pela enxurrada, mas adaptações para mudança climática, o valor subiria para R$ 9,9 bilhões. Por que há tanta diferença?
Essa é uma estimativa feita com base em critérios de custo para adaptação de rodovias. Os R$ 3 bilhões são estimados para recuperarmos pontos onde houve problemas. Uma das grandes preocupações é identificar, de fato, a necessidade de recursos para fazermos uma reconstrução melhor. Nas rodovias, usamos o custo por quilômetro para fazer obras como tratamento de encostas, de taludes, e multiplicamos por um trecho da rodovia. É o que fizemos com ajuda da consultoria (Alvarez & Marsal), para sabermos a ordem de grandeza. Evidente que, quando fizermos os contratos, teremos de avançar para uma vistoria, identificar exatamente quais os pontos que precisam ser tratados.
Por que o custo para reconstrução com adaptações para a mudança climática é três vezes maior? Claudio Frischtak, um dos maiores especialistas em infraestrutura do país, estima o custo de uma reconstrução mais resiliente entre 20% e 30% acima, não 400%.
Quando se constrói uma rodovia do zero, tem a opção de fazer mais resiliente ou do jeito que fazemos agora. Fazer mais resiliente pode custar 20% a mais, mas vamos ter de olhar para o nosso conjunto de rodovias de maneira geral e resolver problemas que não se limitam a adaptações. Existem trechos que vamos ter de reconstruir, vamos ter de fazer novas pontes. Não é um custo marginal. Também precisamos entender que reconstruir mais resiliente significa olhar muitos aspectos. Proteção de encostas é caríssima. Tem de pensar na drenagem das rodovias. Às vezes, é preciso refazer o trecho. O que não podemos é subestimar a necessidade de investimento, é um risco. E outra preocupação é não olhar simplesmente para o que precisa ser refeito. Não podemos só retornar à infraestrutura que tínhamos há um mês. Isso está fora de cogitação. Senão, não vamos conseguir enfrentar outros desafios que vêm pela frente.
Tem relação com a queixa do setor de logística de que o Estado está 50 anos atrasado?
Tem. Precisamos de alternativas. Porto Alegre ficou apenas com uma saída livre durante bastante tempo. Olhando para rodovias, significa que precisamos implementar ações que mitiguem esse impacto. Todo aquele conjunto de investimentos dos nossos blocos de concessão, por exemplo, são ainda mais importantes. Todas essas rodovias dos blocos 1 e 2 foram muito impactadas e precisam ter uma infraestrutura de maior capacidade. Bloco 2 está no meio do Vale do Taquari. Bloco 2, na Região Metropolitana. Vamos tentar proteger as cidades, claro, para a água não chegar. Mas se chegar, em alguma medida, precisamos ter mecanismos de proteção alternativos. Se perder a ligação com a Capital , precisa ter um conjunto de vias alternativas que permita o transporte quando a água baixar. E precisamos ter os sistemas de alerta para tirar as pessoas das áreas de risco. E aí necessitamos de lugares para essas pessoas ficarem. E isso tudo tem que estar muito claro. Precisamos trabalhar tanto a infraestrutura quanto a educação das pessoas.
O governo do Estado confia que as rodovias federais estão com o governo federal?
Estamos confiando. A solução de rodovias federais está com o governo federal.
Atendemos locais que muitas vezes não estão no centro da atenção do governo federal, que sempre trabalhou com programas habitacionais voltados, em sua grande parte, para cidades maiores.
E habitação, que é uma área mais cinzenta, como fica?
Habitação, tradicionalmente, é muito liderada pelo governo federal. O Estado deve ter um olhar atento para preencher eventuais lacunas que o governo federal não consiga atender. Isso envolve trabalho em conjunto e em cooperação. Atendemos locais que muitas vezes não estão no centro da atenção do governo federal, que sempre trabalhou com programas habitacionais voltados, em sua grande parte, para cidades maiores. É por isso que tivemos uma dificuldade no Vale do Taquari. Surgiu a necessidade de buscar alternativas. Então, a ata de preços para as casas modulares é um avanço, um mecanismo que pode ser usado sempre. São casas permanentes.
Como as áreas de energia, água e saneamento, que têm muita participação privada, estão sendo tratadas com as empresas?
No caso do saneamento, não vi essa discussão, porque, primeiro, o poder concedente é municipal. Não fomos procurados. Em relação à energia, ninguém nos procurou também, porque os contratos são da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Tudo tem que ser analisado sob a luz de cada contrato.
O reequilíbrio pode ser feito de várias maneiras. No geral, cada contrato vai estabelecer como o reequilíbrio pode ser feito, por tarifa, por aporte do poder público, por prorrogação de prazo.
Resolve-se só com reequilíbrio de contrato ou vai precisar um outro tipo de negociação?
Reequilíbrio é capaz de resolver. O reequilíbrio pode ser feito de várias maneiras. No geral, cada contrato vai estabelecer como o reequilíbrio pode ser feito, por tarifa, por aporte do poder público, por prorrogação de prazo ou alguma outra maneira legal. Uma ponte que caiu na RS-287, por exemplo. O seguro cobre o valor para se retomar nas condições iniciais. Se exigir que se faça diferente, mais resiliente, é natural que ocorra um reequilíbrio em favor da concessionária.
É correta a tese de que um dos motivos para a contratação da Alvarez & Marsal, tanto por parte da prefeitura quanto do governo do Estado, seria lidar com eventuais passivos judiciais provocados pela enchente?
Não, até esse momento não houve nenhum tipo de ação nesse sentido. Não há nenhum tipo de prestação de serviços jurídicos sendo feita por consultoriais. Quem faz a representação jurídica, a defesa e a construção de teses é a Procuradoria, tanto no caso do Estado quanto dos municípios. Não tem nenhum tipo de prestação de serviço ou assessoramento jurídico por parte da consultoria.
O Funrigs terá transparência de tudo que entra e tudo que sai. A contabilidade pública é capaz de fazer isso sem grandes problemas.
Como serão usados os recursos privados destinados à reconstrução?
O fundo público criado para a reconstrução, o Funrigs, tem uma série de receitas possíveis. Sua criação é muito associada à necessidade de separar os recursos provenientes da suspensão da dívida. Mas prevê outras possibilidades de aporte de recursos. Financiamentos com bancos multilaterais, por exemplo, têm de passar por ali. Entes privados também podem doar via fundo. Não há limitação. O fundo terá transparência de tudo que entra e tudo que sai. A contabilidade pública é capaz de fazer isso sem grandes problemas.
Vai se pedir prestação de contas para o setor privado?
Se o privado vai fazer algo de maneira privada, não tem de pedir prestação de contas.
E quando tiver finalidade é pública, como construção de casas, por exemplo?
Aí, depende. Tem o exemplo das escolas. Vamos apresentar as escolas que precisam ser reconstruídas e os locais onde vão ser reconstruídas. São 23. É o Estado que tem que dizer de que maneira essa escola precisa ser reconstruída. Não pode chegar um ente privado ou particular e falar que vai fazer a escola do seu jeito. O Estado vai apresentar o anteprojeto, o desenho, os módulos e o formato da escola. Depois, o privado, primeiro, vai ter de assinar um compromisso. Segundo, apresentar o projeto básico e executivo para aprovação. Se o projeto executivo estiver bem, pode construir. Vamos manter um acompanhamento para saber se está fazendo direito para entregar a obra. E todo fluxo de construção segue muito parecido. Não tem como o Estado não estar envolvido nisso.
Outra preocupação de governança é com recursos humanos para isso. Antes da tragédia, o governador já dizia que estava difícil reter engenheiros, por exemplo. Como resolver isso?
Vai ser preciso reestruturar algumas carreiras. É fundamental nesse processo ter uma administração pública capaz. O governador (Eduardo Leite) cita muito o exemplo do ajuste fiscal, que nos deu condição, por exemplo, de aumentar o efetivo das forças de segurança dos bombeiros. Se não fosse isso, talvez não tivéssemos as condições para enfrentar o que enfrentamos.
Durante o período de execução do projeto básico e do executivo (de pontes), o vencedor da disputa tem que observar os preceitos que estão na nota técnica do IPH.
Como fazer no tempo em que precisamos?
Esse é um desafio que vamos ter de superar. E temos ido bem nesse aspecto da agilidade. O governador anunciou, por exemplo, em um trabalho de 15 dias, oito editais de contratação de pontes que caíram. Um trabalho em conjunto com a Secretaria da Reconstrução e com a Secretaria de Logística. É um desafio que estamos enfrentando com a urgência que o tema requer.
Essas oito pontes serão resilientes?
Sim. Fizemos uma reunião com o IPH (Instituto de Pesquisas Hidráulicas) no começo da semana passada. Trouxeram uma nota técnica que vai ser atualizada ao longo do tempo. Durante o período de execução do projeto básico e do executivo, o vencedor da disputa tem que observar os preceitos que estão na nota técnica do IPH.