A expectativa era de que o mercado se tranquilizasse, ontem, depois da decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) de interromper os cortes no juro.
Pela manhã, o dólar baixou a ponto de trafegar no nível de R$ 5,30. Mas mesmo com leve alta de 0,38%, fechou em R$ 5,462, maior cotação do atual mandato. A bolsa conseguiu recuperar os 120 mil pontos, mas havia chegado a 121 mil antes de nova manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Parecia até que ele suavizaria o discurso ao dizer:
– O presidente da República nunca se mete nas decisões do Copom ou do Banco Central.
Mas aí, acrescentou:
– Resolveram entender que era importante alguém que tivesse autonomia. Autonomia para atender quem?
Pronto, já teve analista que viu questionamento à autonomia do BC. Daí para projetar que pode haver uma tentativa de rever esse avanço democrático assim que seu indicado assumir a presidência do BC, é um passo.
Por isso, além de falar menos sobre juro – saudade do tempo em que deixava isso para o vice, José Alencar –, Lula poderia fazer outro movimento para acalmar o mercado e ganhar, com isso, até uma redução da inflação, com menor pressão cambial.
Poderia antecipar sua escolha para o comando do BC a partir de 1º de janeiro de 2025, como sugeriu há quase um mês o próprio Roberto Campos Neto, que encerra o mandato em 31 dezembro. Essa incerteza também está fazendo preço. Se de fato o favoritismo do atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, estiver intacto, será um alívio para o mercado. Depois que Lula falou em indicar alguém "maduro" e "calejado", até o nome de Guido Mantega foi cogitado.
O BC, por sua vez, tem um tema de casa a fazer. Em vez de insistir na autonomia financeira, um tema polêmico até entre os mais ortodoxos, poderia mudar a pouco produtiva liturgia de publicar um comunicado com a decisão do Copom, às quartas, e só na próxima terça apresentar a ata completa. Esse modelo permite três dias de especulação extra.
Seria outro avanço democrático, com ganho de transparência, se adotasse outra regra do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA). Por lá, sai o comunicado com a decisão do do comitê monetário (Fomc, na sigla em inglês) e, logo depois, há uma entrevista com o presidente, atualmente Jerome Powell. As dúvidas são resolvidas na hora, sem tanto suspense quanto aqui. O mercado sempre vai encontrar motivos para movimentar negócios, mas seria um ruído a menos.
Os fatores de pressão no mercado
Falta de perspectiva do início de cortes de juro nos EUA: a taxa alta lá e mais baixa aqui diminui a atratividade de investimentos no mercado financeiro no Brasil, e investidores resgatam aplicações aqui para migrar para mercados mais lucrativos.
Ajuste fiscal: a decisão do governo Lula de reduzir o déficit primário (despesas maiores que receitas antes do pagamento da dívida) só com aumento de arrecadação, sem corte de gastos, é considerada frágil e difícil de manter ao longo dos quatro anos de mandato. A recente ajuda ao Rio Grande do Sul, que eleva os gastos, contribui com essa percepção. Sinalizações de cortes de gastos nos últimos dias chegaram a proporcionar algum alívio, mas não duradouro.
Eleições na Europa: embora fosse esperado o crescimento das bancadas que questionam a União Europeia, a expressiva votação da extrema direita na França fez o presidente Emmanuel Macron convocar eleições em seu país, o que eleva a incerteza na economia.