Depois da sessão mais longa da história do parlamento na Argentina, com 30 horas de duração, a "Lei Ônibus" foi aprovada em termos gerais, mas isso só significa que haverá novos embates, agora sobre cada um dos 363 artigos que sobreviveram dos 664 originais.
Como a coluna já vinha detalhando, o processo legislativo na Argentina é diferente da que existe no Brasil. Aqui, quando um projeto tem votação favorável, todo o texto é aprovado, o que pode ocorrer é a apreciação separada de emendas que o modificam. Lá, é preciso aceitar o conjunto das propostas, para depois analisar uma a uma.
Essa etapa começa na terça-feira (6), depois de um descanso e novas negociações. Alguns dos 363 artigos sobreviventes ainda podem cair na votação individual, antes de avançar para o Senado. Ou seja, por enquanto, o presidente Javier Milei tem uma carroceria de ônibus, mas ainda falta o motor.
É só a partir de terça que se saberá a potência do veículo, ou seja, se o governo de Javier Milei terá um plano de privatização, ou os poderes extraordinários para intervir - sem necessidade de passar pelo Congresso - em assuntos econômicos ou de segurança, por exemplo.
Seu partido, mesmo com apoio que tem sido maciço do PRO do ex-presidente Maurício Macri, não tem votos para garantir a aprovação. Precisa da chamada "oposição amigável", também chamada de "dialoguista", para garantir que tem mais do que uma casca vazia nas mãos.
E se a Argentina tem muito de indecifrável, também tem seu tanto de previsível: tudo indica que o futuro das regras que permitirão a Milei fazer seu governo liberalizante vai depender de compartilhar recursos públicos com as províncias.
Um dos deputados que votou favoravelmente ao ônibus até agora sem motor foi Nicolás Massot, um dos líderes de Hacemos Coalición Federal, formada depois da eleição do ano passado com forte representação das províncias. Ao site Ámbito Financiero (clique aqui), disse não deu voto favorável para "ficar bem" com o presidente, mas porque "as coisas têm de acontecer" na Argentina. E agregou um diagnóstico que tem sido repetido como eco nos últimos dias:
— Ele insistiu muito que o ajuste não afetaria as pessoas de bem, seria pago pela casta. No final, a casta éramos todos nós.
"Casta" foi uma das palavras mais marcantes da campanha de Milei - assim como "motosserra" -, usada para responsabilizar a elite política do país pela crise que os argentinos enfrentam.
Curiosidade: depois do anúncio oficial de Daniel Scioli - embaixador no Brasil designado pelo ex-presidente Alberto Fernández - como secretário de Turismo, Ambiente e Esportes, seu irmão Nicolás Scioli se tornou outro raro caso de recondução de um governo a outro: foi confirmado na diretoria do Banco de Inversión y Comercio Exterior (Bice) - uma espécie de BNDES desidratado da Argentina. Realmente, um tanto indecifrável, outro tanto previsível.