Agora é possível consultar, por nome, a relação completa das empresas que receberam incentivos fiscais de ICMS em 2022 - a mais recente disponível na Secretaria da Fazenda, em trabalho de equipe da redação de GZH liderado pelo coordenador digital de GZH Luís Felipe dos Santos e executado pelo webdesigner Carlos Garcia.
A partir de 1º de janeiro de 2024, começam a valer parte dos cortes determinados por decreto pelo governador Eduardo Leite, e outra parte entra em vigor a partir de 1º de abril. Há duas datas porque é preciso respeitar dois princípios constitucionais, o da anterioridade - a cobrança só pode ocorrer a partir do primeiro dia do anos seguinte ao em que foi publicada regra que crie ou eleve imposto - e a noventena - alguns tributos só podem ser cobrados 90 dias depois da criação ou elevação.
Além dos tipos de incentivos fiscais que a coluna vem detalhando - isenções, redução da base de cálculo e crédito presumido - existe outro, chamado Fator de Ajuste de Fruição (FAF). Atualmente, esse mecanismo reduz a cobrança de imposto para as empresas que adquirem insumos e produtos produzidos no Estado.
As empresas obtinham de forma automática 85% do crédito presumido (aquele que "faz de conta" que há algo a compensar, quando não há; veja detalhes abaixo). Para alcançar 100%, precisam adquirir insumos produzidos no Rio Grande do Sul - uma forma de estimular o consumo de material gaúcho.
Com a mudança, todo o crédito presumido ficaria condicionado a compras feitas no Rio Grande do Sul. Isso significa que, se a empresa não conseguir garantir o índice de 100%, perderá o benefício. Embora pareça impactante, já que algumas contempladas podem não ter insumos gaúchos à disposição, o máximo potencial de recuperação de receita estimado pela Fazenda é de R$ 607 milhões anuais, cerca de 17% do total pretendido pelo governador, de R$ 3,6 bilhões anuais.
A maior fatia deve vir da imposição de condições para usufruir dos benefícios: o Estado vai exigir depósito de 10% a 40% do que seria pago sem o incentivo em em um fundo público, ou seja, de volta aos cofres gaúchos. Essa alternativa pode gerar R$ 1,7 bilhão de receita recuperada ao ano. A terceira forma é a extinção ou redução de subsídios a produtos da cesta básica, que será compensada por aumento do "cashback", via Devolve ICMS, para as famílias de baixa renda.
A questão do sigilo
Até há dois anos, não era possível publicar listas de benefícios acompanhadas dos valores porque a informação era considerada parte do sigilo fiscal das empresas. No entanto, a lei complementar 187, de 16 de dezembro de 2021 — do governo passado, portanto — tirou da regra de proteção "incentivo, renúncia, benefício ou imunidade de natureza tributária cujo beneficiário seja pessoa jurídica".
Os Estados ainda não se ajustaram à mudança, em tese porque ainda existem diferentes interpretações sobre a mudança na regra. No entanto, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), recomenda que os órgãos fiscalizadores (leia a íntegra clicando aqui) prestem contas completas da aplicação desses recursos.
Fatos & dados
Em 2022, o pacote total de incentivos de ICMS somou R$ 11,87 bilhões. Isso significa que o Estado, em vez de arrecadar todo o seu potencial - valor que seria alcançado sem benefícios - de R$ 55,12 bilhões, teve "apenas" R$ 43,25 bilhões para arcar com as despesas públicas.
O principal instrumento aplicado pelo Rio Grande do Sul é o crédito presumido, que representa quase a metade do total (45,3%). Como a coluna já explicou, o "presumido" significa que o Estado "supõe" um crédito que, na verdade, não existe - por isso é preciso presumir (no dicionário, é "tirar conclusão antecipada, baseada em indícios e suposições, e não em fatos comprovados").
De 2014 a 2022, a concessão de crédito presumido a empresas gaúchas duplicou, sem correção pela inflação. Somava R$ 2,65 bilhões há 10 anos e alcançou R$ 5,38 bilhões no ano passado. Neste ano, está em R$ 4,25 bilhões só até outubro.
A indústria é o setor mais beneficiado, com 80% dos incentivos. Os outros 20% são divididos entre atacado (16,5%), serviços (3%) e varejo (o,7%).
Na indústria, o segmento mais beneficiado é o de beneficiamento de leite, com R$ 939 milhões no ano passado. O segundo lugar também tem quatro patas no campo: é o de frigoríficos de bovinos, com R$ 571 milhões. O terceiro não tem patas, mas também é agroindústria: as fábricas de biodiesel tiveram incentivo fiscal de R$ 339 milhões em 2022.
Além do crédito presumido, os outros dois tipos de incentivos com base no ICMS são as isenções - quando simplesmente não se cobra - e base de cálculo reduzida - redução artificial do valor sobre o qual a alíquota incide. Todos servem para dar competitividade a empresas. Ainda existem regimes especiais de cobrança cuja base é a legislação nacional, como o microempreendedor individual (MEI) e o Simples, para pequenas e microempresas.
Ainda existem desonerações em outros dois impostos estaduais, o conhecido IPVA, pago todos os anos por proprietários de veículos, e o menos usual ITCD, que incide sobre heranças e doações. Com isso, o total geral de de benefícios chegou a R$ 13,74 bilhões no ano passado.