Depois de dizer que não revelaria detalhes da primeira reunião com o atual presidente da República, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, fez observações surpreendentes — especialmente para quem o considera um "infiltrado da oposição".
— O Lula gasta mais tempo prestando atenção no que você fala. Ele dedica mais tempo, tem mais paciência para as conversas. Bolsonaro era mais rápido. Eu sempre sabia que quando tinha uma conversa com Bolsonaro, eu tinha três minutos para falar alguma coisa. Depois dos três minutos ficaria mais difícil, porque ele ficava mais disperso — afirmou Campos Neto.
A declaração foi dada ao jornalista Pedro Bial, no programa Conversa com Bial, da TV Globo, que foi ao ar na madrugada desta terça-feira (3). A reação do apresentador foi classificar a surpreendente revelação de "elogiosa" ao presidente Lula e "nem tão elogiosa" a seu antecessor.
Campos Neto nem se preocupou em relativizar a avaliação. Respondeu apenas que o BC é autônomo — o que significa que não precisa de chancela presidencial para agir — e que, portanto, "não era tão próximo" de Bolsonaro:
— Bolsonaro sempre me deu toda liberdade, nunca tive nenhum problema. Nunca ligou pra reclamar de nada. Nunca interferiu em nada, zero. A gente, às vezes, escuta muito 'ah, presidente autoritário'. Eu não era tão próximo, mas no que tangia ao meu trabalho, sempre tive liberdade total.
A autonomia do BC, é bom lembrar, só foi aprovada no início de 2021, depois de mais de 30 anos de debates sobre o tema. Campos Neto atuou sem autonomia formal, portanto, ao menos durante a metade do mandato presidencial anterior, em 2019 e 2022. Mas afirmou a Bial que só aceitou o cargo depois de combinar que não haveria interferência. Ele não disse, mas a negociação foi com o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, que — como a coluna testemunhou — não cabia em si de orgulho com a indicação do neto de seu colega de pregações liberais Roberto Campos.
Como a coluna já detalhou, o BC no Brasil é autônomo, mas não independente. Isso significa que sua atuação é determinada por uma meta de inflação definida pelo governo de plantão, via Conselho Monetário Nacional (CMN) — formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, além do presidente da instituição. Recentemente, Campos Neto afirmou que esse é um modelo melhor do que o de independência total, ou seja, com definição da meta pelo próprio BC.
Campos Neto também revelou ter articulado a compra das doses da vacina da Pfizer, intermediando uma reunião virtual entre o então presidente e o principal executivo da farmacêutica. Para lembrar, a tecnologia da imunização sobre a qual tanta mentira foi dita, de RNA mensageiro, acabou de ganhar um Nobel de Medicina.