Depois que, na terça-feira (10), o câmbio mais usado no país, o blue, atingiu mil pesos por dólar, em sinal de corrida à moeda americana, a Argentina deflagrou operações policiais para tentar deter especuladores, focadas em operadores desse mercado.
A tensão cresceu depois que o atual presidente, Alberto Fernández, denunciou o candidato favorito à sua sucessão, Javier Milei, por "intimidação pública". A acusação é baseada em declarações públicas que, conforme a ação, teriam levado o blue a 1.010 pesos.
Na ação, são citadas declarações públicas de Milei e de outros candidatos de sua corrente política, chamada La Libertad Avanza. Além da que já foi citada pela coluna - "o peso é a moeda que emite o político argentino, portanto não pode valer nem excremento, porque esse lixo não serve nem para adubo" -, há outra, feita dias antes, que parece agravar o quadro, porque envolveria a "motivação" das afirmações:
— Quanto mais alto estiver o preço do dólar, mais fácil é dolarizar — afirmara Milei em reunião com empresários em Mar del Plata, uma praia ao sul de Buenos Aires.
A relação entre peso e excremento foi feita à Rádio Mitre, uma das mais importantes da Argentina, portanto teve muito alcance. O argumento da denúncia é de que "como consequência direta dessas afirmações públicas e massivas de um grupo de pessoas com responsabilidade institucional definida (...), a população se atemorizou sobre a real possibilidade de que nossa moeda, o peso, não mantenha seu valor e (não) continue sendo o símbolo monetário do país".
O candidato de La Libertad Avanza ao governo de Buenos Aires, Ramiro Marra, publicou em redes sociais frases como "hoje, mais do que nunca, não poupe em pesos" e "sempre disse que o que poupa em plazos fijos é um idiota". Plazo fijo é uma aplicação financeira em pesos, em que uma quantia é depositada em um banco por prazo determinado e com remuneração pré-fixada. O rendimento anual é de 118%, mas a inflação em 12 meses atingiu 124,4% até agosto.
Outro integrante da corrente que disputa uma vaga de deputado pela província de Buenos Aires, Agustín Romo, escreveu nas redes que "os cínicos cúmplices dos políticos vão dizer que não tens que comprar dólares, tens que fazer o contrário". Ou seja, ao menos um dos denunciados contribuiu explicitamente para a corrida.
Nesta quinta-feira (12), depois de operações policiais na "city porteña" - a área do centro de Buenos Aires que concentra bancos e casas de câmbio -, o blue recuou da casa dos mil pesos, mas não muito: é negociado em 935. Uma das operações de busca mais barulhentas envolve Ivo Esteban Rojnica, chamado de "El Croata", apontado como principal operador de blue, que teria nos Estados Unidos um serviço de abertura de offshores em paraísos fiscais, propriedades no Paraguai e investimentos na Espanha.
É sempre perigoso esse cruzamento entre política e economia às vésperas de uma eleição presidencial, previstas na Argentina para o próximo dia 22. Mas nem no auge da polarização no Brasil houve ameaças explícitas à moeda. Embora na Argentina o dólar seja muito mais usado do que no Brasil - imóveis, carros e até eletrodomésticos são cotados na moeda americana -, é um instrumento que chega até a classe média. Não há dolarização para os pobres.