Duas décadas depois da estreia, Luiz Inácio Lula da Silva voltou a abrir a fase de debates da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, com cobranças - não críticas ao multilateralismo.
O presidente foi enfático ao cobrar redução efetiva da desigualdade e da pobreza e a prometida contribuição dos países ricos ao combate às mudanças no clima. Mas não fez uma entrega prevista, a da correção da meta do Brasil de redução das emissões, alterada no governo Bolsonaro. Preferiu se solidarizar com as vítimas de desastres naturais na Líbia, no Marrocos e no Rio Grande do Sul.
A diferença entre crítica e cobrança é importante: em suas manifestações, Bolsonaro reforçava a imagem de "pária" do Brasil, que chegou a ser defendida pelo então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Há um ano, o ex-presidente também tentou vender energia verde, mas empalideceu o marketing com menções a "repúdio à ideologia de gênero" e "direito à vida desde a concepção".
— O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, nossa região, o mundo e o multilateralismo — afirmou Lula, sob aplausos puxados pelo grande grupo brasileiro na plateia.
O discurso de reintegração à comunidade internacional também tem foco econômico: polir a imagem do país em geral, mas em especial, como polo da economia verde - reforçando a redução de 48% no desmatamento entre janeiro e agosto. Para isso, foi simbólica a presença, na primeira fila da comitiva oficial brasileira, dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado, Rodrigo Pacheco (PDS-MG). O recado é que "o Brasil voltou" não é um slogan de governo, mas de Estado, com apoio parlamentar - apesar dos semblantes graves dos representantes do Legislativo.
— Vamos provar de novo que um desenvolvimento justo e sustentável é possível — afirmou, ao criticar o fato de que os países ricos são os que mais contribuíram para as mudanças climáticas e agora demoram em articular a ajuda necessária para barrar o aumento na frequência e na gravidade dos fenômenos atmosféricos, a consequência mais visível desse processo.
No grande grupo de ministros que acompanha na plateia, estava Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas, com seu vistoso cocar, e Marina Silva, do Meio Ambiente, nome que tem grande peso internacional. Na véspera, havia feito, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um evento de pré-lançamento, na bolsa de Nova York, dos "bônus verdes" brasileiros, títulos da dívida com foco no financiamento de projetos ambientais.
— O mundo inteiro sempre falou da Amazônia, agora é a Amazônia falando por si mesma — afirmou, lembrando da conferência ambiental realizada em Belém (PA), cidade que já foi confirmada pela ONU como sede da conferência do clima de 2025, a COP-30.
Na crítica mais forte, Lula mesclou um recado à polarização brasileira com um afago às instituições multilaterais:
— Em meio aos escombros do neoliberalismo, surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário. Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores. Precisamos resgatar as melhores tradições humanistas que inspiraram a criação da ONU.