O apagão que só poupou Roraima - e só porque o Estado não está no Sistema Nacional Integrado (SIN) - complicou a vida de milhões de brasileiros e foi tecnicamente resolvido em até seis horas.
Mas ao acionar Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para investigar as causas e afirmar que é um problema a falta de ingerência do governo sobre a Eletrobras, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira comprou o jogo da oposição e terminou de politizar o apagão..
É verdade que a série de atos de vandalismo e/ou sabotagem em torres de transmissão ocorrida em janeiro - se foi ou não parte da tentativa de golpe de 8 de janeiro ainda não se sabe - abriu caminho para a suspeita. Mas ainda que tenha sido, envolver PF e Abin na investigação sem fornecer indícios de ato deliberado politiza o incidente ainda não esclarecido. Para justificar a medida, Silveira afirmou:
— O horário do incidente nos incita a pedir que outros ministérios apurem o que aconteceu. Não descarto dolo.
A menção ao início do episódio - por volta de 8h30min -, decorre do fato de que, nesse horário, não costuma haver concentração de consumo, que ocorre na primeira metade da tarde, quando a temperatura sobe e eleva a demanda por refrigeração e climatização. No entanto, há várias outras possibilidades de intercorrências no SIN que podem provocar quedas em cascata nos cerca de 180 mil quilômetros de linha de transmissão do país.
A privatização da Eletrobras foi criticada até por defensores da desestatização, por embutir compromissos que representam aumento de despesa pública, em vez de redução, por embutir a construção de gasodutos e usinas térmicas em áreas distantes tanto da entrada de gás quanto de centros de consumo de energia. Pode ser questionada pelo governo federal nos devidos fóruns, mas daí a afirmar, como fez o ministro, de que "fez mal ao sistema" - ao menos até agora - também carece de sustentação.
Contribuiu para a entrada da Eletrobras na novela do apagão o fato de a empresa ter feito, na véspera, uma mudança repentina de gestão. Wilson Ferreira Jr. renunciou ao cargo de CEO e foi substituído por Ivan Monteiro, até então presidente do conselho de administração. No mercado, a troca é atribuída ao descontentamento do conselho - dominado por representantes de acionistas privados - com a gestão. Silveira viu na "mudança abrupta, sem sinergia com a política pública", uma falta de oportunidade de "um sistema elétrico nacional mais harmônico".
Também pela avaliação do mercado, embora o governo federal não tenha interferido na mudança de comando da Eletrobras, foi favorecido pelo resultado. Monteiro presidiu a Petrobras na gestão de Michel Temer, mas chegou à estatal depois de uma longa carreira no Banco do Brasil levado por um indicado por Dilma Rousseff, Aldemir Bendine. Ou seja, é visto como mais propenso ao diálogo com o governo Lula do que seu antecessor.
A palavra "apagão" é criptonita política desde que contribuiu para a primeira eleição de Lula, em 2002, logo depois que o governo de Fernando Henrique Cardoso foi obrigado a racionar energia por escassez de água nas represas de hidrelétrica. O episódio foi chamado de "apagão", embora não tenha havido corte súbito no abastecimento, como na terça-feira (15). Explica, mas não justifica o excesso de politização. No país que testemunhou o 8 de janeiro, não se pode descartar que venha a ser provado o "dolo" mencionado pelo ministro de Minas e Energia. Mas antes de mencionar, seria bom ter mais sinais à mão.
Nesta quarta-feira (16), uma das suspeitas sobre a origem do mais recente apagão é o grande volume de geração eólica no Ceará, onde aparentemente tudo começou. De empreendedores eólicos no Rio Grande do Sul, a coluna já ouviu a hipótese de que a capacidade de conexão dos projetos de geração por ventos no Nordeste esteja perto do limite que o sistema consegue suportar. Também ainda é uma possibilidade que precisa ser demonstrada.