O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
O projeto de lei 2630/2020 – PL das Fake News – é um dos mais polêmicos do Congresso atual. Após a intenção de votá-lo, em maio, o texto foi retirado pelo relator Orlando Silva (PCdoB-SP) para que voltasse semanas depois, mas até hoje segue em aberto. Se o retorno da pauta ao plenário permanece indefinido, os holofotes reacenderam a temática nos últimos dias.
A notícia de que o Google contratou o ex-presidente Michel Temer (MDB-SP) para intermediar negociações apontam que as chamadas big techs (as gigantes mundiais da tecnologia) vão pressionar mais abertamente o parlamento. Temer conhece atalhos.
Antes de assumir a Presidência após o impeachment de Dilma Rousseff (PT-MG), além de reconhecido advogado constitucionalista, presidiu a Câmara de 1997 a 2000 e de 2009 a 2010. E o ingresso do ex-presidente no cenário acontece momentos depois de seu ex-ministro da justiça (2016), e posteriormente indicado (2017) ao Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ter aberto inquérito contra o Google por suposta “campanha de desinformação” durante as discussões do PL.
O processo tem origem em pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), com base em declarações do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), ao constatar que mensagens enviadas aos usuários das big techs sobrecarregaram o sistema de informação da Câmara, em razão de links de redirecionamento ao portal da casa.
No centro das motivações, está a criação de uma agência reguladora no país, inspirada pelo Digital Services Act (DSA). O modelo foi adotado pela União Europeia, não sem reviravoltas. O entrevistado do Respostas Capitais de hoje, o deputado europeu português, João Albuquerque, resume como foi a pressão por lá:
– Avassaladora, e continua a ser. Há sempre tentativa de ficar à margem de todas as regulações, e obviamente tentar influenciar ou contornar as regras. Nesse aspecto, a Europa deu uma resposta cabal, há pouco tempo, aplicando multa em um processo relativo à Meta, do Facebook, que mostra como estamos sendo implacáveis. E é importante que se mantenha essa lógica. O objetivo é sempre a proteção do consumidor, que somos nós. Não se trata de ataque, apenas de necessidade de proteger os cidadãos.
O caso da Meta, acrescenta, ocorreu por compartilhamento indevido de dados dos cidadãos europeus com os Estados Unidos e empresas norte-americanas, “o que para nós é absolutamente inaceitável”. Essa visão, diz, tem de ser unificada e partilhada, seja qual for a entidade em questão.
– É fundamental mantermos essa frente internacional unida na proteção dos interesses das pessoas – argumenta.
No sábado, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso declarou à imprensa que, por aqui, o ponto-chave da necessidade de regulação das redes sociais já não é se vai haver controle, mas quando e como. Na prática, o alinhamento do país com a UE ajuda ri a destravar o Acordo do Mercosul com o bloco europeu.
O embate é travado por dois modelos. De um lado, a Europa quer o rigor institucional e a proteção dos usuários. De outro, os Estados Unidos e as big techs demandam por autorregulação, sob o pretexto de evitar a institucionalização da censura. Há dificuldade, entretanto, para avaliar que a informação cumpra com propósitos dados não apenas pela sua difusão, mas pela lógica de informar com credibilidade.
Trata-se de mais um duelo de esgrima em que a mão invisível do mercado, de Adam Smith, empunha uma das espadas em nome da liberdade econômica em detrimento da função social da informação. Touche! En garde!