Os detalhes sobre a crise dos yanomami apresentados em reportagem da jornalista Sonia Bridi no Fantástico do último domingo não deixam dúvida sobre o rumo da investigação "siga o dinheiro": quem ganha com a fome e a doença é o garimpo ilegal.
A atividade destrói os rios de onde costumava sair um dos principais alimentos dos indígenas: os peixes. Em busca de estanho e, principalmente, ouro, os criminosos transformam os cursos d'água em charcos contaminados de mercúrio, usado para separar a areia do mineral cujo preço disparou na pandemia.
Graças ao trabalho de entidades como os institutos Escolhas e Socioambiental, o trabalho de "seguir o dinheiro" - fundamental tanto na responsabilização pelo crise como na sua erradicação - está bastante avançado. Estudos detalhados apontam dados sobre o avanço do garimpo ilegal que só não são absurdos para quem convive com naturalidade com o crime.
Conforme o relatório Raio X do Ouro: mais de 200 toneladas podem ser ilegais (leia a íntegra clicando aqui), entre 2015 e 2020, o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, quase metade de toda a produção nacional. Essa verificação, disse à coluna Larissa Rodrigues, líder de portfólio do Instituto Escolhas, passou pela análise de mais de 40 mil registros de comercialização de ouro e imagens de extração.
Do volume total de ouro com indícios de ilegalidade, mais da metade veio da Amazônia (54%), principalmente do Mato Grosso (26%) e do Pará (24%). E o estudo avança na cadeia "siga o dinheiro": quatro distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVMs) são as maiores compradoras de ouro de garimpos na Amazônia: a F.D’Gold, a OM (Ourominas), a Parmetal e a Carol. Entre 2015 e 2020, movimentaram um terço de todo o volume com indícios de ilegalidade, de 79 toneladas. Ou seja, 87% de suas operações são duvidosas.
Aponta ainda uma "nova entrante": criada em setembro de 2020, a Fênix DTVM havia se tornado a terceira maior do país no final de 2021. Em 2020, a empresa comprou 78 quilos de ouro de 38 garimpos na Amazônia. Desse volume, 48 quilos (ou 62%) vieram de áreas com risco de ilegalidade. Com apoio do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa a mineração legal, o Escolhas entrou com representação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para investigar em profundidade essas empresas.
O relatório não fica só nas duas pontas: aponta detalhes da relação entre os proprietários dessas empresas e o garimpo ilegal. Conforme o Escolhas, três – F.D’Gold, Carol e Ourominas – já são alvo de ações judiciais recentes do Ministério Público Federal (MPF) que pedem a suspensão de suas atividades pela comercialização de ouro ilegal no Pará. As bases para, como diz o presidente do Ibram, Raul Jungnman, "sufocar o garimpo ilegal no país", estão dadas.
Parte dessa movimentação vai para o Exterior: Canadá, Suíça, Reino Unido e, mais recentemente, Índia, são destinos da exportações de ouro com indícios de ilegalidade. Com base nesses dados, o Escolhas considera urgente a implantação de um sistema de rastreabilidade de origem e conformidade ambiental e social de produção e comércio de ouro. Um projeto já tramita no Congresso: 836/2021, que estabelece as bases para um sistema de rastreabilidade do metal.
O avanço de ouro irregular (produção total em toneladas)
Ano | Produção | Indícios de ilegalidade
2015 | 79,2 | 41%
2016 | 86,7 | 51%
2017 | 75,9 | 45%
2018 | 71,8 | 47%
2019 | 82,1 | 51%
2020 | 91,9 | 46%
2021 | 97,2 | 54%
Fonte: Instituto Escolhas