Em comunicado publicado na manhã desta quinta-feira (19), em resposta a uma consulta da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Americanas afirma que "embora ainda não tenha sido decidido, a administração está trabalhando com a possibilidade de, nos próximos dias ou potencialmente nas próximas horas, aprovar o ajuizamento, em caráter de urgência, de pedido de recuperação judicial" (leia íntegra clicando aqui ou abaixo) .
Parte do mercado vê o comunicado como uma ameaça aos credores: se não aceitarem os termos propostos pelos acionistas de referência - Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira - o desfecho pode ser ainda pior para eles.
Sempre que uma empresa entra em recuperação judicial, as dívidas são negociadas por uma fração de seu valor original, além de o prazo ser muito estendido. Na dúvida entre "aviso" ou "ameaça", as ações da companhia voltaram a despencar na bolsa de valores.
Depois de queda livre de quase 30%, as negociações com esses papéis voltaram a ser interrompidas, com o instrumento do "leilão" (apesar do nome, significa parada nas atividades). Na retomada, despencaram mais 17% até o meio-dia.
Na nota, a empresa dá sinais que que a suposta ameaça tem fundamento: confirma que o caixa da Americanas está limitado a R$ 800 milhões. Para dar uma ideia do problema, conforme os dados do balanço do terceiro trimestre de 2022, até setembro esse valor era 10 vezes maior: R$8,6 bilhões. Dois bancos - BTG Pactual e Bradesco - conseguiram bloquear recursos depositados nessas instituições. Conforme a nota (veja íntegra abaixo), "parcela significativa deste valor estava injustificadamente indisponível para movimentação pela Companhia na data de ontem".
O comunicado da Americanas
Prezado Senhor Diretor,
1. Reportamo-nos à notícia veiculada na página do portal Pipeline do jornal Valor Econômico na rede mundial de computadores em 18/01/2023 intitulada ‘EXCLUSIVO: Americanas tem só R$ 800 milhões no caixa; RJ é iminente’, com o seguinte teor: EXCLUSIVO: Americanas tem só R$ 800 milhões no caixa; RJ é iminente Com situação de liquidez periclitante - longe dos R$ 7,8 bi sinalizados na semana passada - varejista tenta reverter compensações de bancos enquanto ajeita a papelada Por Maria Luíza Filgueiras — São Paulo 18/01/2023 17h46 Há oito dias, quando a Americanas apresentou as inconsistências contábeis ao mercado, o então CEO Sergio Rial apontou uma situação de caixa confortável para fazer frente às obrigações correntes e tocar a operação enquanto a companhia abria a renegociação com os bancos e investigações sobre eventuais fraudes. Ali, o caixa anunciado era de R$ 7,8 bilhões. A realidade do caixa da companhia hoje, no entanto, é de R$ 800 milhões disponíveis, apurou o Pipeline. É isso que tem feito a companhia prever para os próximos dias (horas, potencialmente) o pedido de recuperação judicial. ‘Isso está sendo decidido neste minuto. Pode ser protocolada nas próximas horas’, afirmou uma fonte. Na soma, a companhia considerava cerca de R$ 3 bilhões em recebíveis de fornecedores que anteciparia com bancos - essa porta, como se sabe, foi fechada pelas instituições diante da exposição já tomada e dos rebaixamentos de ratings. BTG Pactual e BV (antigo Votorantim) compensaram ou congelaram na semana passada um total de R$ 1,4 bilhão (R$ 1,2 bi de BTG e R$ 220 milhões de BV). Outros R$ 1 bilhão são aplicações financeiras sem liquidez imediata, metade referente a uma LFT Bacen parte de exigência regulatória. Sobravam para a operação R$ 2,4 bilhões mas, desde o início de janeiro, a gigante do varejo já consumiu R$ 1,6 bilhão na sua rotina de negócio - uma operação de varejo, como se sabe, é altamente consumidor de capital. ‘A posição de caixa hoje é de R$ 800 milhões’, afirmou uma fonte. ‘A companhia vai ter que antecipar o pedido de recuperação judicial’. O entendimento interno, segundo o Pipeline apurou, era que um standstill daria o fôlego de negociação nos 30 dias, antes de cair a proteção da tutelar judicial. Se não houvesse consenso, aí o plano estaria pronto. Mas não dá mais tempo - como o mandado de segurança obtido hoje pelo BTG deixou claro. ‘R$ 1,4 bi não resolve a vida da empresa hoje, mas compra dias operacionais’, diz uma fonte. O Safra também bloqueou hoje o acesso da companhia ao sistema, segundo fontes, mas ainda não havia clareza se a compensação foi feita, apurou o Pipeline. O volume ali era bem menor, na casa de R$ 92 milhões. Os bancos questionam judicialmente a própria validade de uma RJ, considerando um cenário de fraude. A companhia tenta separar operação e investigação, insistindo nas reuniões com credores que indivíduos culpados serão responsabilizados e que os acionistas de referência seguem comprometidos com algo na casa de R$ 7 bilhões em aporte. A companhia ainda tenta derrubar o mandado de segurança obtido pelo BTG para a compensação de R$ 1,2 bilhão - se conseguir reverter essa decisão, pode suspender hoje o ingresso da RJ. A questão não seria só o montante do banco, mas outras eventuais compensações ou bloqueios. Na disputa com o BTG, o banco argumenta que a discussão deve ser em arbitragem e que há cláusula de vencimento antecipado. A companhia rebateu judicialmente, afirmando que há diferentes convênios com o banco, e que não haveria cláusula de compensação antecipadas nos recebíveis. Na operação, os fornecedores que normalmente vendem à prazo já exigem pagamento à vista, o que também deve complicar o estoque da varejista. 2. A propósito do conteúdo da notícia, requeremos a manifestação de V.Sª sobre a veracidade das informações prestadas na notícia, e, caso afirmativo, solicitamos esclarecimentos adicionais a respeito do assunto, bem como informar os motivos pelos quais entendeu não se tratar o assunto de Fato Relevante, nos termos da Resolução CVM nº 44/21. 3. Tal manifestação deverá incluir cópia deste Ofício e ser encaminhada ao Sistema IPE, categoria ‘Comunicado ao Mercado’, tipo ‘Esclarecimentos sobre questionamentos da CVM/B3’. O atendimento à presente solicitação de manifestação por meio de Comunicado ao Mercado não exime a eventual apuração de responsabilidade pela não divulgação tempestiva de Fato Relevante, nos termos da Resolução CVM nº 44/21. 4. Segundo o parágrafo único do artigo 6º da Resolução CVM nº 44/21, é dever dos acionistas controladores ou administradores da companhia aberta, diretamente ou através do Diretor de Relações com Investidores, divulgar imediatamente o ato ou fato relevante pendente de divulgação, na hipótese de a informação escapar ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados. Assim sendo, em havendo o vazamento da informação relevante (sua divulgação por meio de um veículo de imprensa, por exemplo), o Fato Relevante tem de ser divulgado, independentemente do fato de a informação ser ou não originária de manifestações de representantes da Companhia. 5. Ressaltamos que, nos termos do artigo 3º da Resolução CVM nº 44/21, cumpre ao Diretor de Relações com Investidores divulgar e comunicar à CVM e, se for o caso, à bolsa de valores e entidade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação, qualquer ato ou fato relevante ocorrido ou relacionado aos seus negócios, bem como zelar por sua ampla e imediata disseminação, simultaneamente em todos os mercados em que tais valores mobiliários sejam admitidos à negociação. 6. Lembramos ainda da obrigação disposta no parágrafo único do artigo 4º da Resolução CVM nº 44/21, de inquirir os administradores e acionistas controladores da Companhia, bem como todas as demais pessoas com acesso a atos ou fatos relevantes, com o objetivo de averiguar se estas têm conhecimento de informações que devam ser divulgadas ao mercado. 7. Alertamos que caberá a esta autoridade administrativa, no uso de suas atribuições legais e, com fundamento no inciso II, do art. 9º, da Lei nº 6.385/76, e no art. 7º, combinado com o art. 8º, da Resolução CVM nº 47/21, determinar a aplicação de multa cominatória, sem prejuízo de outras sanções administrativas, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), pelo não cumprimento das exigências formuladas, até as 9 horas do dia 19 de janeiro de 2023.” (grifos no original) A esse respeito a Companhia confirma que a posição de caixa disponível à Americanas para as suas atividades alcançou o valor de R$ 800 milhões, conforme informado no Fato Relevante divulgado na presente data, sendo que parcela significativa deste valor estava injustificadamente indisponível para movimentação pela Companhia na data de ontem. Nesse sentido, embora ainda não tenha sido decidido, a administração está trabalhando com a possibilidade de, nos próximos dias ou potencialmente nas próximas horas, aprovar o ajuizamento, em caráter de urgência, de pedido de recuperação judicial, nos termos da Lei nº 11.101/05 e do art. 122, parágrafo único, da Lei nº 6.404/76. Por fim, a Companhia ressalta que a matéria objeto deste Comunicado ao Mercado foi publicada às 17h46 - 14 minutos antes do final do pregão do dia 18/01/2023 –, e que o Fato Relevante foi divulgado pela Companhia antes da abertura do pregão do dia 19/01/2023. Atenciosamente, João Guerra Diretor Presidente e de Relações com Investidores