Uma frase de três décadas parece ter perdido a validade, ao menos no Brasil. Depois de virar item de manual em campanhas políticas, a expressão "the economy, stupid" (a economia, estúpido), formulada pelo consultor James Carville em 1992 para explicar a surpresa com a vantagem do candidato democrata Bill Clinton ante o então presidente George Bush (o pai, falecido em 2o18, não o filho), sucumbiu nesta corrida eleitoral.
Na disputa de um mandato que começa desafiador, tanto no cenário internacional quanto na capacidade de bancar todas as despesas públicas, os candidatos à Presidência passaram a focar em satanismo e canibalismo como, digamos, argumentos eleitorais.
A ênfase em questões religiosas, fez a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançar uma nota na véspera deste feriado de Nossa Senhora Aparecida condenando a "exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno" (leia íntegra abaixo).
Sobre esse tema, inclusive, o único debate legítimo em uma campanha eleitoral é se vai cumprir a Constituição que prevê ampla liberdade de culto no mandato que os candidatos disputam - "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Todo o resto deve ser protegido sob esse manto legal, não religioso.
Ainda se o Brasil fosse um país desenvolvido, com sobra de recursos para gastar, inflação baixa, pleno emprego e bons indicadores de igualdade social - como se sabe, estamos em polos opostos em todas essas condições -, seria preciso discutir o que fazer com o dinheiro do contribuinte. Nesse país fantástico (sim, aqui com duplo sentido), imaginem, seria possível reduzir a cobrança de impostos, para felicidade geral da nação.
Só que não. A cada dia, novas promessas eleitorais desafiam as mais abrangentes projeções de riscos fiscais para 2023. Para não deixar dúvida, "risco fiscal" significa ter despesas acima da arrecadação prevista para determinado período. É um buraco no orçamento que só pode ser coberto de três formas: pelo lado da receita, com mais impostos ou mais dívida, ou da despesa, com cortes quase impossíveis por necessidade ou engessamento. Pela receita, nenhum será razoável no Brasil que tem carga tributária e endividamento já no limite por décadas pluripartidárias de irresponsabilidade fiscal, inclusive a atual.
A íntegra da nota da CNBB
“Existe um tempo para cada coisa” (Ecl. 3,1)
Lamentamos, neste momento de campanha eleitoral, a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno. Momentos especificamente religiosos não podem ser usados por candidatos para apresentarem suas propostas de campanha e demais assuntos relacionados às eleições. Desse modo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lamenta e reprova tais ações e comportamentos.
A manipulação religiosa sempre desvirtua os valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil. É fundamental um compromisso autêntico com a verdade e com o Evangelho.
Ratificamos que a CNBB condena, veementemente, o uso da religião por todo e qualquer candidato como ferramenta de sua campanha eleitoral. Convocamos todos os cidadãos e cidadãs, na liberdade de sua consciência e compromisso com o bem comum, a fazerem deste momento oportunidade de reflexão e proposição de ações que foquem na dignidade da pessoa humana e na busca por um país mais justo, fraterno e solidário.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
Presidente da CNBB
Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre (RS)
Primeiro Vice-presidente da CNBB
Dom Mário Antonio da Silva
Arcebispo de Cuiabá (MT)
Segundo Vice-presidente da CNBB
Dom Joel Portella Amado
Bispo auxiliar da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Secretário-geral da CNBB