Na semana passada, surgiu um projeto de lei para criar um imposto extra sobre lucros extraordinários da Petrobras. Esse tipo de medida já existe em alguns países para financiar políticas sociais que amenizem o efeito da disparada dos combustíveis.
Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden insiste na defesa de uma taxa extra, mas enfrente fortes resistências da gigantes privadas. No Brasil, acerta o alvo, mas erra feio nos detalhes.
O projeto é do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foi apresentado na última terça-feira (5) e prevê aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de empresas que lucram mais de R$ 10 bilhões por ano.
O alvo está correto. Lucros excepcionais justificariam maior tributação. Portanto, seria adequado que uma estatal com tal resultado gerasse mais recursos para financiar políticas públicas de um país em crise e com regras orçamentárias em frangalhos. A Petrobras lucrou R$ 44,5 bilhões só no primeiro trimestre. Caso repetisse o desempenho — que é pouco provável — ganharia R$ 178 bilhões no ano.
Mas aí entram os detalhes. Primeiro, o tributo escolhido é uma contribuição. Isso significa que a arrecadação fica só com o governo federal, não é dividida com os outros entes de federação. É um absurdo, especialmente no momento em que Estados e municípios ainda não sabem qual será o futuro de sua receita depois da redução das alíquotas de ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transportes públicos.
Pelo projeto, a alíquota básica de 9% da CSLL subiria a 15% para lucros anuais entre R$ 10 bilhões e R$ 29,9 bilhões, e chegaria a 20% com resultado acima de R$ 30 bilhões. As mudanças, se aprovadas, valeriam a partir de 1º de janeiro de 2023.
Levantamento da Economatica mostra 12 empresas de capital aberto com lucro acima de R$ 10 bilhões entre as 398 que publicaram resultados nos últimos 12 meses. Com a Petrobras, pagariam mais Vale (R$ 113,7 bilhões), Itaú Unibanco (R$ 26,3 bilhões), JBS (R$ 23,6 bilhões) e Bradesco (R$ 22,8 bilhões), entre outras.
Hoje, alguns setores já pagam mais CSLL, como bancos, que têm alíquota de até 21%, e instituições financeiras não bancárias, para as quais chega a 16% até o final deste ano. Ao justificar seu texto, Leal afirmou que "não se pode conceber que uma tributação sobre o lucro seja diferenciada, apenas e tão somente, por se tratar de uma determinada atividade".
Só o atual governo já fez isso duas vezes. É bom lembrar que Leal exercita o sobrenome em relação a Lira. Ou seja, não se sabe se por querer ou sem querer, critica o governo que ambos defendem. O Congresso vive um surto de aberrações legislativas, já que não se pode chamá-las de "legais". Só faltava essa.
As tentativas de reduzir o impacto da alta dos combustíveis (10)
1. A PEC dos Benefícios: nascida para baixar tributos sobre combustíveis, virou "pacote do bem", com aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e voucher-caminhoneiro de R$ 1 mil. O custo é estimado em R$ 45 bilhões. Na quinta-feira (7), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adiou a votação em dois turnos na Casa, que ficou para nesta semana.
2. Imposto extra sobre lucro da Petrobras: aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o deputado Hugo Leal (PSD-RJ) quer aumentar a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) a até 20% para empresas com lucro acima de R$ 10 bilhões ao ano.
3. Aprovada e aplicada em ao menos 21 Estados: teto de 17% a 18% de ICMS para combustíveis, energia, transportes públicos e comunicações. Entrou em vigor em ao menos 21 Estados, incluindo o Rio Grande do Sul.
4. No telhado: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) cogitou mudar a Lei das Estatais, que blinda as empresas públicas de influência política direta. Seria para permitir "sinergia" com o governo. Parece ter sido engavetada, mas há sinais de que só aguarda um momento mais propício para voltar ao debate.
5. A caminho: a troca no conselho e na diretoria da Petrobras é uma tentativa de mudar a política de preços da estatal. Uma assembleia geral de acionistas está marcada para este mês e deve mudar a composição do conselho de administração para abrir caminho a uma mudança na política.
6. Cortina de fumaça: a suposta privatização expressa da Petrobras, nos mesmos moldes da Eletrobras, via capitalização, é considerada a pior das hipóteses, por substituir um monopólio estatal por outro privado. Os preços subiriam em velocidade ainda maior.
A política de preços da Petrobras
Para reajustar o preço nas refinarias, a Petrobras adota um cálculo chamado Paridade de Preços de Importação (PPI), adotado em 2016, no governo Temer. A intenção é evitar que a estatal acumule prejuízo com por não repassar aumentos de produtos que compra do Exterior, tanto de petróleo cru quanto de derivados, como o diesel. A fórmula inclui quatro elementos: variação internacional do barril do petróleo — com base no tipo brent, que tem preço definido na bolsa de Londres —, cotação do dólar em reais, custos de transporte e uma margem definida pela companhia que funciona como um seguro contra perdas.