O tal "ciclo de alta" — a sequência de elevações que fez o juro básico decolar de 2% para 12,75% ao ano em 14 meses — deveria ter terminado em março. No entanto, a inflação indomável exigiu uma dose extra em maio e, na quarta-feira (15), vai para a segunda. A grande dúvida é se haverá uma terceira calibragem extraordinária em agosto.
O consenso é de que o Banco Central (BC) elevará a Selic em 0,5 ponto percentual, de 12,75% para 13,25%. Embora ainda exista alguma perspectiva de possa ser a última, a maioria dos economistas mudou de opinião e projeta mais uma "dose de reforço" de 0,25 ponto em agosto — e alguns, até de 0,5 ponto.
Até o final de maio, predominava a visão de que o BC encerraria o ciclo com a taxa básica em 13,25% e, para seguir tentando domar a inflação, manteria a Selic elevada por mais tempo, em vez de aumentar a dose. Mas aí veio o ativismo do governo Bolsonaro pela redução do ICMS sobre os combustíveis, que já tem projeto de teto aprovado na Câmara e no Senado — mas ainda precisa voltar à Câmara. Com isso, a dúvida sobre a sustentação fiscal do Brasil voltou ao radar do mercado.
Para baixar a alíquota de ICMS ao teto entre 17% e 18%, os parlamentares preveem compensação da União aos Estados, que terão perdas, como a estimada em R$ 5,2 bilhões no Rio Grande do Sul. As estimativas da conta vão da mínima de R$ 26,7 bilhões à máxima de R$ 115 bilhões. A correta está entre desses extremos, mas a grandeza é de algumas dezenas de bilhões de reais. É dinheiro que terá de vir de alguma fonte, ou, com maior probabilidade, virar dívida.
Para complicar, a inflação nos Estados Unidos decolou em maio e alcançou 1% no mês. Para dar uma ideia do que significa isso para americanos, habituados a uma economia mais estável do que a brasileira, há pouco tempo a meta anual de inflação por lá era de 2%. Então, a alta em um mês seria a esperada para seis, quando tudo ainda era normal.
Com esse solavanco, voltou o temor de que o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) decida subir a taxa em 0,75 ponto percentual (outra "extravagância" histórica onde o juro costuma subir 0,25 ponto por reunião) nesta quarta-feira (15). Mesmo que não o faça, já existe mais pressão sobre o BC nacional.
Economista-chefe do banco Fibra, Cristiano Oliveira avalia que a redução de tributos sobre os combustíveis pode ajudar a reduzir a inflação neste ano. Lembra, porém, que a isenção de ICMS sobre diesel e gás de cozinha prevista na proposta de emenda constitucional que ainda não começou a tramitar no Congresso é temporária. Por isso, afirma que, do ponto de vista da política monetária, o efeito líquido da interferência do governo nos preços é negativo, porque eleva a inflação futura e piora a qualidade da política fiscal, elevando o prêmio de risco.
Caio Megale, economista-chefe, e Tatiana Nogueira, economista, ambos da XP, destacam o "fluxo de notícias ambíguo" para o Comitê de Política Monetária (Copom) e manifestam dúvidas sobre como o BC vai interpretar a possível desoneração de ICMS — se como uma ajuda para baixar a inflação ou um novo risco fiscal. Conforme os técnicos, os projetos de desoneração tributária são, "na melhor das hipóteses", neutros para a política monetária. Ou seja, não ajudam a combater a inflação.