Depois de tentar desviar o foco da insatisfação com a disparada dos preços dos combustíveis para os Estados, via ICMS, e para a Petrobras, com críticas aos "altos lucros" — dos quais boa parte vai direto para os cofres da União —, agora o governo Bolsonaro ensaia outra "solução" para a pressão de custos.
A ideia é suavizar o choque, mas, até onde se sabe, só haverá alívio para gás de cozinha e diesel. E, mesmo para os casos específicos, terá fôlego limitado.
A composição do fundo incluiria parte dos royalties (nas áreas do pós-sal) e participações especiais (relativas ao pré-sal) de petróleo, do fundo social do pré-sal, de parcela da fatia da União dos dividendos da Petrobras e da arrecadação da Contribuição de Intervenção sobre Domínio Econômico (Cide), tributo exclusivamente federal.
David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, avalia que o fundo parece, mas não é, uma solução. Argumenta que os recursos, ao serem destinados a esse mecanismo, vão faltar em outra ponta. Caso incluísse a gasolina, por exemplo, que tem consumo de 50 bilhões de litros por ano no Brasil, a conta já seria de R$ 10 bilhões anuais só para uma redução de R$ 0,20, que não faz diferença real para o consumidor:
— Quem vai pagar por isso? É o governo pensando na eleição no ano que vem, não é solução.
O que o especialista considera viável e justo é o suporte às famílias de baixa renda que não conseguem bancar o custo do gás de cozinha, que na semana passada atingiu R$ 140 por botijão de 13 quilos na pesquisa oficial da ANP:
— Criar fundo genérico não faz sentido. Vai subsidiar o diesel de quem usa essas pickups gigantes que são abastecidas com esse combustível com pessoas passando fome no Brasil?Um subsídio claro, com função social, é muito mais eficiente e justo. Sabe-se quantas famílias precisam, tem mais possibilidade de ser efetivo. O diesel está caro, mas a manutenção dos caminhões está mais, porque as estradas estão em péssimo estado, quebra o caminhão, aumenta a insegurança nas rodovias.
Segundo Zylbersztajn, a solução estrutural passa pela revisão da concentração do transporte por rodovias, pelo aumento da concorrência no setor de refino e pela adoção de outros combustíveis. Na Europa, lembra, muitos ônibus urbanos já são elétricos, os caminhões usam gás natural — embora ambos estejam com custo elevado neste momento, preparam a transição energética. E ironiza:
— Poderiam anunciar esse subsídio para combustível fóssil nesta semana em Glasgow. Assim, não tem conta que feche. Quem vai investir onde se tabela preço de combustível? Quem vai investir no Brasil?