A inflação assusta empresas com custos decolando e pessoas que vão ao supermercado ou têm de abastecer o carro, mas parece não tirar o sono do ministro da Economia, Paulo Guedes. Na segunda-feira (23), reclamou que, quando a inflação "sobe um pouco", há inquietação com descontrole de preços, mas afirmou que isso não está acontecendo:
— Não há descontrole. A inflação está subindo no mundo inteiro. A nossa deve ser 7% ou 8%, estamos dentro do jogo.
Para justificar outra afirmação que desafia o senso comum do governo Bolsonaro, o ministro afirmou que a inflação nos Estados Unidos deve chegar a 7% no final do ano. Até julho, o acumulado em 12 meses na economia americana é de 5,4%. No Brasil, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) bateu em 8,99% na mesma base de comparação.
Há pouco tempo, ao usar a expressão "a inflação está subindo no mundo" em uma pergunta ao economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC) a coluna ouviu a réplica:
— A inflação está subindo para quem, cara pálida? Os EUA estão com inflação mais alta, mas na zona do euro está em 2%, no Canadá, no Reino Unido, na Austrália, está na meta.
Guedes se antecipou a um comunicado feito nesta terça-feira (23) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado a seu ministério, de que a previsão para o IPCA neste ano subiu de 5,9% para 7,1%. Conforme o Ipea, parte do aumento veio da expectativa de reajustes mais acentuados para a gasolina e a energia elétrica, que provocaram alta na projeção dos preços monitorados de 9,5% para 110% no ano.
"Dentro do jogo", mesmo, seria entrega a inflação dentro da meta deste ano, definida pelo próprio Guedes, com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o secretário especial da Fazenda, Bruno Funchal. O centro era de 3,75%, com tolerância de 1,5 ponto percentual a mais ou a menos. O resultado previsto pelo Ipea estará, portanto, totalmente fora do jogo.
Citar os EUA para argumentar que o "Brasil está dentro do jogo" da inflação é comparar laranjas com bananas. Para lembrar, o Congresso americano aprovou três pacotes de estímulo, o primeiro de US$ 2 trilhões, um segundo de US$ 915 bilhões e o terceiro de US$ 1,9 trilhão (somados, corresponderiam a R$ 25,5 trilhões). Em dólares, o total corresponde a quase um quarto (23%) do PIB do país (US$ 20,9 trilhões em 2020). No Brasil, a estimativa mais generosa sobre os estímulos (auxílio emergencial, subsídio a crédito, apoio à manutenção do emprego) chega a 14,5%.
De fato, houve grandes altas de custo, que vão de petróleo a aço e de soja a milho. Mas quanto mais dinheiro o governo injeta na economia, maior o risco inflacionário. Essa injeção foi muito maior nos EUA do que no Brasil, portanto a pressão sobre os preços aqui é muito menor do que lá. Sem contar a falta de sensibilidade de Guedes com os apertos no orçamento dos brasileiros provocados pela alta da inflação. Nem tudo é "culpa do governo", embora Bolsonaro siga ajudando o dólar e o risco Brasil a subir. Mas o mínimo que um cidadão brasileiro espera, no meio de uma crise, é um pouco de empatia de seus líderes.