O Rio Grande do Sul alternou variações do PIB de pesadelo e de sonho, mas o crescimento de 4% no primeiro trimestre do ano, ante o imediatamente anterior, tem o pé no chão da realidade. A alta de 5,5% em relação ao mesmo período do ano passado é mais vistosa, mas a coluna optou por olhar o ritmo de mais curto prazo.
Um dos motivos é porque essa nova alta forte veio sobre o salto de 12,9% no último trimestre de 2020, portanto consolida a reação que já havia se iniciado. Como a grande contribuição veio da agropecuária, que decolou 35,7% sobre o quarto trimestre de 2020, e o forte da safra agrícola virá no segundo trimestre, a coluna já se permite especular sobre uma possível alta de dois dígitos entre abril e junho.
— É preciso cautela para falar em dois dígitos, porque qualquer perspectiva deve ser vista a partir do patamar baixo do ano passado. Parece bonito, mas não se pode ficar só nesse dado como projeção de resultado — reagiu Cláudio Gastal, secretário de Planejamento, Governança e Gestão Estratégica do Estado.
Mas é bom lembrar que se trata de um processo de recuperação ainda em curso. O pesadelo do Rio Grande do Sul em 2020 foi tão profundo, por combinar os efeitos da estiagem e da pandemia, que os gaúchos ainda padecem de déficit de crescimento: a variação acumulada nos últimos quatro trimestres, portanto 12 meses, ainda é negativa em 4,9%, pior do que a média nacional de 3,8%.
E embora o "pibão gaúcho" reluza perto da alta de 1,2% da média do Brasil na mesma base de comparação, ainda há desequilíbrios setoriais, como no resultado nacional. Se no campo é tempo de colheita, nas cidades ainda predomina a estiagem de dinheiro: os serviços mal conseguiram avançar, com variação de 0,4%. E essa é atividade com maior peso no PIB. A indústria avançou 3,8% no primeiro trimestre, sempre na comparação com o último de 2020.
Em relação a igual período do ano passado, o PIB gaúcho traz alguns resultados impressionantes, como o crescimento de 55,9% em máquinas e equipamentos — efeito das projeções de ótima safra agrícola —, de 33,8% em produtos de metal e de 19,3% em borrachas e plásticos. Em parte, o consumo desse produtos entrou em órbita pelo "efeito fique em casa", com mais gastos em melhorias na habitação, decoração e produtos domésticos.
Nessa mesma perspectiva, ainda há dados inquietantes, como as quedas de 22,3% no comércio de combustíveis e lubrificantes — o outro lado do "efeito fique em casa" —, 6,9% em hipermercados e supermercados — mesmo que tenham sido poupados das restrições de funcionamento — e de 3,9% na venda de veículos.
— É bem possível que alta de preços tenha influenciado nas quedas desses componentes do comércio — afirmou Vanessa Sulzbach, coordenadora da Divisão de Análise Econômica do Departamento de Economia e Estatística (DEE), órgão do governo do Estado.
Atualização: durante o detalhamento do PIB do trimestre, um dado chamou muita atenção: o crescimento de 74% na soja, em comparação com o primeiro trimestre de 2020. Como a colheita se concentra em abril, a coluna tentou entender que soja era essa. Martinho Lazzari, pesquisador do DEE, explicou: a metodologia do órgão, igual à do IBGE, que calcula o PIB nacional, usa um dado do Censo Agropecuário de 2006 para estimar quanto do grão é colhido no primeiro trimestre: 11,9%. Então. é um aumento de 74% de 11,9% da safra. O resto vai entrar no segundo trimestre.