Ao detalhar as regras do leilão da quinta geração da tecnologia de telefonia celular (5G), aprovado no dia 25 pela Anatel, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, usou uma frase que intrigou muita gente:
— Estamos tentando fazer um leilão 5G 100% não arrecadatório.
A declaração levantou sobrancelhas especialmente porque sempre se soube que seria bilionária a disputa por faixas de frequência para operar a nova tecnologia. E, de fato, a avaliação da Anatel sobre quanto valeria a concessão para operar essas "rodovias do ar" está entre R$ 30 bilhões e R$ 35 bilhões. Então, como será "não arrecadatório" um leilão com esse valor estimado?
O que o governo sinaliza é que o preço para ganhar dinheiro com um bem público (a faixa de frequência) será cobrado na forma de investimentos para colocar o serviço no ar e garantir outras contrapartidas que facilitarão o acesso à internet. É preciso prestar atenção no verbo escolhido pelo ministro: "tentando". Em tempos de contas públicas destroçadas, a distância entre tentativa e sucesso é grande.
O plano prevê um pacote de contrapartidas para operar cada uma das quatro faixas ofertadas: 700 megahertz (MHz), 2,3 gigahertz (GHz), 3,5 GHz e 26 GHz). É como se fossem quatro estradas, uma simples, outra com quatro pistas, outra com seis e uma com quase 40 pistas, apenas para manter a proporção do exemplo.
A lógica do leilão será a seguinte: as empresas vão fazer ofertas para disputar cada uma dessas faixas, a partir de um preço mínimo que pode subir, dependendo da disputa. Normalmente, quando cobra esse tipo de direito, chamado de outorga, o governo arrecada para os cofres públicos. No caso do 5G, o que o vencedor aplicar para cumprir a contrapartida será descontado desse valor.
Entre as exigências, estão a criação de um sistema de comunicação exclusivo para o governo (foi a condição para não barrar a contratação de serviços da chinesa Huawei, que não opera a "rodovia", mas fornece equipamentos para "abri-la"). Também terão de bancar a implantação do programa Norte Conectado, que prevê a instalação de 10 mil quilômetros de fibra na Amazônia, a cobertura móvel das rodovias federais (enfim!) e levar sinal 4G a todas as localidades com mais de 600 habitantes.
Um dos pontos mais polêmicos é responsabilizar as operadoras pela troca do sistema atual de transmissão de TV por satélite, que seria afetada pela proximidade da faixa de transmissão, gerando risco de interferência. A intenção é que troquem todos os aparelhos usados, das antenas parabólicas que captam o sinal ao aparelho decodificador doméstico.
Todas essas exigências, conforme estimativas de mercado, encostam nos R$ 35 bilhões estimados para o leilão: só a cobertura das localidades com mais de 600 habitantes, estimadas em 14 mil, custaria cerca de R$ 13 bilhões. A rede do governo, que já teve custo projetado em R$ 3 bilhões, ficaria limitada a R$ 1 bilhão. Há controvérsias sobre o custo da substituição do sistema de parabólicas, entre R$ 1,7 bilhão e R$ 7,8 bilhões.
E as empresas, estão animadas com o "leilão não arrecadatório"? A primeira reação oficial foi de cautela. Em nota, a associação do segmento, chamada Conexis, afirmou que "analisará detalhadamente cada ponto do edital de 5G aprovado pela Anatel para elucidar a correta participação das empresas no leilão, previsto para 2021. Aguardamos a análise do edital pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e eventuais ajustes na proposta".