Por temor genuíno ou ameaça de quem se opõe por princípio a privatizações, este assunto aparece em consultas por e-mail, comentários nos textos da coluna em GZH e em redes sociais: o Rio Grande do Sul vai vender a CEEE e virar o Amapá, que enfrenta apagão parcial há duas semanas?
A respostar mais honesta e curta é "depende". Por isso mesmo, é preciso explicar. Pode não parecer, mas Rio Grande do Sul e Amapá têm, sim, algo em comum: estão em extremos opostos das chamadas "pontas" do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Mas feita essa constatação, é preciso detalhar as diferenças. Para entender, é possível comparar o SIN a um conjunto de rodovias, com conexões entre linhas de transmissão que fazem o transporte de energia no atacado – sem chegar ao consumidor final.
No Amapá, há uma única ponte com o SIN, uma linha de 230 quilovolts (kV). A "ponta de sistema" do Sul tem interligação muito mais robusta: são seis pontes, três das quais em "linhões" de 525 kV. Na analogia com estradas, a linha de 230 kV equivale a uma ligação de pista simples, enquanto a de 525 kV seria uma duplicada. O sistema é interligado exatamente para permitir que a energia produzida no Norte chegue ao Sudeste e vice-versa.
Além disso, até porque se reconhece que a posição de "ponta do sistema" do Rio Grande do Sul precisa de reforço, um leilão realizado no final de 2018 abriu caminho para investimentos de R$ 5,3 bilhões, todos em andamento e com cronograma mais adiantado do que o previsto. Isso significa que o Rio Grande do Sul tem segurança quase incomparável em relação ao Amapá. Lá, parte do Estado ainda é atendida pelos chamados "sistemas isolados": são 235 localidades, a maior parte na Região Norte, alimentada por térmicas a óleo diesel. Para lembrar, tanto somos "ponta" que, até o final dos anos 1990, Santa Vitória do Palmar ainda era abastecida dessa forma.
Certo, mas e se privatizar tudo? É essencial lembrar que, mesmo que o prestador do serviço seja privado, a responsabilidade pelo atendimento segue pública. Os governos estadual e federal são obrigados a regular e a fiscalizar o abastecimento de energia. É aqui que o "depende" ganha força: esse compromisso obviamente vale para o Amapá, e não foi cumprido. Na noite de terça-feira (17), o Estado já abalado por um apagão parcial de duas semanas voltou a ficar às escuras.
No Brasil, quase todas as distribuidoras de energia como a CEEE-D, que deve ir a leilão em fevereiro de 2021, já são privadas. Na área de transmissão, embora a CEEE coordene o sistema em todo o Estado, a maioria das obras é privada (de onde mesmo seria possível tirar R$ 5,3 bilhões para reforçar o sistema?). A geração também é crescentemente privada, especialmente a de fontes limpas, como eólica e solar. Para dar uma resposta mais positiva do que "depende", é preciso melhorar, e muito, a regulação e a fiscalização do setor.