Considerada uma das operações mais complexas que existem em tempos normais, a administração hospitalar virou um desafio ainda maior durante a pandemia. No Hospital Moinhos de Vento (HMV), um dos mais tradicionais de Porto Alegre, os preparativos para enfrentar a covid-19 começaram ainda em fevereiro, quando o nome da doença provocada pelo coronavírus nem era conhecido. Neste período, a instituição esperou pacientes que não chegavam, e há pouco mais de um mês, enfrenta uma das fases mais complexas de sua história. Na estrutura do HMV, o presidente do conselho de administração tem papel executivo. Por isso, Eduardo Bier Correa, que ocupa o cargo há cinco anos, assumiu a responsabilidade ao lado do CEO, Mohamed Parrini, e relata aqui alguns dos momentos mais delicados.
Preparativos antecipados
"Quando começou a preocupação com a covid-19, em março, já havíamos nos preparando para o enfrentamento. Um dos motivos é nossa afiliação ao Johns Hopkins (centro hospitalar americano que se tornou uma das principais referências de dados sobre a doença). Todos estávamos muito assustados com as informações que chegavam. A estratégia foi nos prevenir, talvez até pecar por excesso. O Mohamed (Parrini), que vem da área financeira, disse que nesse momento iríamos parar de olhar a conta, era hora de investir e usar reservas, se fosse preciso. Como o hospital tem uma posição econômica e financeira privilegiada, ficou apto a trabalhar com tranquilidade. Esperávamos uma pancada, mas começou muito devagar. Hoje, quanto mais aprendemos, vemos o quanto ainda não sabemos sobre a doença. Ainda falta aprender muito."
Dois hospitais
"Uma das primeiras decisões foi dividir em dois hospitais: o covid e o não-covid. O não-covid começou a sofrer perda de atividade, e a demanda esperada para o covid não veio. Nem em março, nem em abril, nem em maio. Até 15 de junho, tivemos apenas 240 casos. Na segunda quinzena de junho, veio a curva. É o que ainda estamos vivendo agora. Aí realmente as coisas se tornaram mais complexas. Fazemos agora a gestão dessa complexidade. Estamos gerindo dois hospitais, em ambiente muito diferente do normal. As pessoas estão com medo fundamentado de exercer sua profissão, os pacientes temem se contaminar e ainda existe muito desconhecimento sobre os efeitos da doença e os processos de contaminação."
O pico
"Acredito este seja o pior momento, estamos vivendo o pico. Acredito, com base em informação e análise, que em mais uma ou duas semanas, vamos fazer um platô. Estamos com a UTI lotada, com um ou dois leitos de reserva para emergências. Temos um plano de expansão para 500 leitos no total, temos recursos para fazer a ampliação, mas há escassez de profissionais. Não temos problemas com equipamentos, compramos respiradores em fevereiro, quando percebemos que estava gerando problemas. Nossa posição privilegiada de caixa, nosso time qualificado e o vínculo com o Johns Hopkins permitiram esse caminho."
Serenidade
"Quanto mais adversa a situação, mais frio e sereno é preciso ser. O time de gestão se mostrou qualificado, sólido e muito engajado no enfrentamento dessa situação que só tem alguma comparação com a gripe espanhola. Muito se contou sobre a Primeira e a Segunda Guerras, mas pouco sobre a gripe espanhola. Entendemos que esse momento tinha duas regras, adaptação e oportunidades. Decidimos que os projetos estratégicos não deveriam pagar. Ao contrário do que muitas empresa fizeram, o 'para tudo', decidimos dar sequência a nossos projetos. Ficamos com um time focado na operação e outro na estratégia. Ainda não podemos falar sobre os próximos passos, mas já estão sendo desenhados. Existem ameaças ao negócio que não vão deixar de existir, como o processo de consolidação (concentração), digitalização da saúde, que não nos permitem parar por um ano."
Pressão e cobranças
"Vi muitos posicionamentos inadequados de meus amigos no Whatsapp. Enquanto escuto profissionais que considero muito qualificados dizerem que sabem pouco, vejo muitas pessoas não tão qualificadas falando em tese, parece que sabem tudo de covid-19. Sou muito cobrado para me posicionar, fui criticado por não emitir opinião, mas explico que não me sinto qualificado. Muitos dos que falaram, falaram besteira. No hospital, não vamos fazer apostas. Não devemos fazer isso. Tem muita gente querendo protagonismo. Se pessoas que respeito e admiro me dizem que não entendem o suficiente, não vou ser eu que vou falar."
Tomada de decisões
"Todo mundo critica quem foi obrigado a tomar decisões. É muito fácil criticar cinco meses depois. Quero ver estar no papel de quem tem de tomar essas decisões. Nenhuma das pessoas que estão nessa posição pensaram que deveriam estar preparados para uma situação como essa. Ninguém estava. Há coisas que foram erros evidentes, mas foi preciso agir dentro de todas as limitações."