Quando alguns países, como a Alemanha, começam a reabrir escolas e empresas, estudos para esse momento também passam a ser estruturados no Brasil. Um desses planos é desenvolvido na Confederação Nacional da Indústria (CNI), que tem defendido volta "lenta, gradual e responsável". Rafael Lucchesi, diretor-geral do Senai, uma das duas entidades operacionais da CNI, com o Sesi, é um dos executivos que planejam a retomada. Não detalha, mas avisa que envolverá testagem, desinfecção e uso de inteligência artificial para acompanhar a saúde dos trabalhadores.
O que significa a retomada "lenta, gradual e responsável" que a CNI tem defendido?
Há um debate no mundo inteiro, bastante poluído no Brasil, sobre como agir diante da pandemia de coronavírus. Como se trata de um vírus novo, quer dizer que 7,7 bilhões de indivíduos não têm memória para reagir. Doenças conhecidas têm vacinas, que conferem imunidade sem que seja preciso se expor à evolução da infecção. Para o coronavírus, não temos e não teremos vacina neste ciclo da pandemia. Também não há fármaco específico, apesar das mais de 40 rotas em pesquisa. Então, qualquer estratégia, para funcionar, precisa passar por muitos testes clínicos, até porque temos variedade populacional muito grande. Tudo isso passa por evidências robustas que precisam ser aferidas no meio científico e testadas por equipes médicas. Então, o que se discute é como fazer uma abertura sem vacina, sem fármaco, sem imunidade prévia.
Por que parece tão difícil entender esse quadro?
Sou economista por formação, mas virei epidemiologista de emergência. Trabalho com educação nos últimos 10 anos e percebe que a maior parte dos brasileiros têm problema com a leitura de gráfico estático, imagina com leitura dinâmica. Isso envolve uma complexidade matricial, não é simples. As projeções são de que 30% das pessoas que terão a doença serão assintomáticas, entre 50% e 55% terão sintomas leves, como dor de cabeça, tosse, espirro, moleza no corpo, 15% serão casos graves, que envolvem dificuldade de respiração, precisam de internação e tratamento hospitalar, e cerca de 5% precisarão de entubação. Daí vem o termo, mais estatístico do que médico, "achatar a curva". É fazer com que o contágio seja controlado para que as pessoas que vão precisar de suporte à vida, para não morrer, tenham estrutura hospitalar adequada. Na verdade, desde o começo deveríamos ter dito dessa forma, achatar a curva se trata de fazer com que não morram muitos brasileiros. Se um hospital tiver 20 pessoas em estado grave e 10 respiradores, os médicos terão de escolher quem vai viver. É por isso que está se fazendo esse controle.
Foram criadas duas torcidas organizadas, uma pelo isolamento total, outra pelo parcial. Como ficou politizado, esterilizou a inteligência no debate.
Por que você o debate "poluído"?
No Brasil, como em nenhum outro país, essa questão foi muito polemizada. Foram criadas duas torcidas organizadas, uma pelo isolamento total, outra pelo parcial. Como ficou politizado, esterilizou a inteligência no debate. Essa discussão não pertence a CNI, Senai ou Sesi.
O que prevê o plano de retomada?
O que estamos fazendo é estudando protocolos, como os adotados na Coreia do Sul, na Alemanha. Pode haver retomada quando as autoridades públicas decidirem. Não pode haver desobediência civil. Estamos desenvolvendo um conjunto de subsídios para assegurar que esse retorno seja feito da maneira mais segura, que passa por questões como desinfecção de equipamentos compartilhados, adoção de inteligência artificial para situação de saúde dos trabalhadores, com checagem feita por celular. Universidades e empresas terão de agir com inteligência de informação.
Precisamos construir uma consciência cidadã. Se todo mundo tomar decisões sobre esse tema, vai gerar confusão completa, acaba a coordenação.
Esse planejamento tem horizonte de tempo?
Se fizéssemos isso, estaríamos usurpando o papel da autoridades públicas que devem fazer isso com base em evidências epidemiológicas. É o respeito ético às autoridades públicas, tem muita gente dando opinião. Precisamos construir uma consciência cidadã. Se todo mundo tomar decisões sobre esse tema, vai gerar confusão completa, acaba a coordenação. Precisamos ter a educação republicana para entender que, neste momento, o importante é atender às orientações das coordenações de saúde pública. É preciso calibrar as medidas neste país que tem multiplicidade de realidades, da logística à demografia.
Você coordena um grupo que recupera respiradores, também há planos de aumentar a produção?
Estamos fazendo as duas coisas, e não só com respiradores. Também atuamos para suprir de EPIs (equipamentos de proteção individual) e diagnósticos, tanto testes rápidos quanto PCR. O Brasil tem hoje 65.235 respiradores, 17.837 na rede privada e 47.398 na pública. Desse total, ao redor de 3,6 mil estão fora de operação por problemas técnicos. É um número subestimado. Se recuperarmos perto de 5 mil, será quase um terço das necessidades em um dos cenários que o Ministério da Saúde estimou. Se houver "liberou geral", seria um número muito maior. Temos as competências de manutenção no Senai, buscamos empresas como Arcelor, GM, Honda, Vale, treinamos as equipes dessas parceiras. São 35 pontos que cobrem todo o território, uma rede voluntária e gratuita. Já devolvemos 194 respiradores aos hospitais. Temos outra ação para fabricar ventiladores pulmonares. O Senai e a Weg ajudaram a Leistung a elevar a produção de 40 para 500. Temos mais três outros arranjos que ainda não podemos anunciar. Nos próximos meses, vai puxar o número para 1,5 mil, que dará suficiência técnica à situação de emergência. Também homologamos fichas técnicas para máscaras e outros produtos, para qualquer empresa da rota têxtil poder produzir. E ainda elevamos o valor do nosso edital de inovação, em parceria com a Embrapii e a ABDI. Uma das empresas que apoiamos já elevou sua produção de testes rápidos de 50 mil para 500 mil, e vai chegar a 1 milhão. E estamos fazendo adaptações nos laboratórios do Senai para produzir testes PCR. Isso vai ajudar a dar uma resposta na segunda etapa. Com escassez em todo o mundo, precisamos contar com produção doméstica para resolver o problema.