Um dos mecanismos cruciais para amenizar o impacto do coronavírus na economia é o crédito. Por isso, é essencial que as medidas anunciadas pelo governo cheguem a empresas e pessoas que devem beneficiar. Marciano Testa fundou uma financeira que, em 2016, virou banco. Hoje, é um raro banco de varejo com sede em Porto Alegre. O negócio de Testa é um misto de instituição financeira e empresa de tecnologia, por ter associado os smartphones dos clientes à conta. Nesta entrevista, ele admite que momentos de crise embutem tendência de retração de crédito, e sugere que o Banco Central (BC) libere mais depósitos compulsórios direcionando recursos para segmentos onde há maior dificuldade: pequenas empresas e pessoas. No seu banco, garante, a meta é ampliar em 35% a carteira de crédito mesmo neste ano desafiador.
Como está o mercado de crédito?
Em momentos como este, há tendência de retração na concessão de crédito. Grandes empresas, com melhor avaliação de risco e linhas pré-aprovadas, são as mais beneficiadas. Para ampliar o acesso à liquidez a empresas menores e pessoas físicas, o regulador (BC) poderia liberar compulsório com direcionamento específico, onde o crédito está mais travado. Fintechs e bancos que operam com autônomos sem garantias e pequenas empresas sofrerão mais e terão maiores restrições de novas concessões. No Agibank, vamos manter os volumes de concessão mesmo com os impactos das medidas de distanciamento social. A meta é ampliar em 35% a carteira de crédito neste ano. Agora é a hora de seguir atendendo os clientes que recebem salários e benefícios, com segurança nos canais digitais, e presencialmente quando for necessário. Também continuamos com a expansão da rede e manteremos o investimento para abertura de 150 novas agências, conforme prevíamos. Como conhecemos nosso público e temos 20 anos no mercado, entendemos que temos solidez e liquidez para dar conta do recado.
Como vê o ritmo e o processo de retomada da atividade?
Eu estava na China no final de 2019 e pude observar o que eles são capazes de fazer, de forma racional e tecnológica, para seguir economicamente produtivos, mesmo neste cenário. O Brasil foi assolado pela falta de pragmatismo, tomado pela disputa de vaidades entre poderes, políticos e mídia, cada qual defendendo seu interesse. O Agibank está presente em todo Brasil e, logo na primeira semana de lockdown, procurei conversar com governadores e prefeitos de várias cidades para tentar ajudar, mas logo desisti, porque não havia racionalidade nas medidas que estavam tomando sem base científica, a maioria sendo oportunista, apenas para aparecer.
Falta abordagem racional sobre o problema, e ficar em casa não irá eliminá-lo. Foi importante no primeiro momento, mas quais são os próximos passos de retomada?
Qual o problema?
Falta abordagem racional sobre o problema, e ficar em casa não irá eliminá-lo. Foi importante no primeiro momento, mas quais são os próximos passos de retomada? Quais são as regras para manter a vida de todos minimamente normal com a covid-19, assim como outros riscos a que somos expostos todos os dias? Uma analogia que os políticos poderiam adotar é o trânsito: existem leis, orientações, punições e todos precisam seguir regras ditadas pelo Estado para dirigir nas vias públicas. Ao sair de carro, cada um assume o risco de acidentes. Quando ocorrem, o Estado deve ter capacidade para atender os feridos nos hospitais. Mesmo havendo risco, não somos obrigados a deixar os carros na garagem ou não usar transporte público. É uma questão de comportamento individual para manter o todo funcionando dentro de regras.
Qual seria o objetivo?
Combater o medo. Há pessoas e empresas completamente paralisadas com essa situação. Vão quebrar seus negócios, perder empregos e estão paralisadas em casa, alimentando um medo sem fim espalhado pela mídia e nas redes sociais. O grande serviço de todos os canais de comunicação, assim como nas campanhas de trânsito, deveria ser a prevenção da vida, e não especulação da morte: se beber não dirija, logo, se for sair de casa use máscara e e álcool, lave as mãos, mantenha a distância de outras pessoas, entre outros.
Poderemos amargar uma crise fiscal sem precedentes, vendo o risco país nas alturas e a curva de juros na mesma direção.
Qual sua expectativa com o novo ministro?
Foi uma boa escolha técnica. Assim como (Luiz Henrique) Mandetta, tem todas condições de tratar essa crise, desde que não se deixe levar, como o antecessor, pela irracionalidade da vaidade de disputa de beleza e poder e foque, com toda a equipe do governo, em como a sociedade irá conviver com essa doença sem perder o direito de saúde e liberdade. Não podemos esquecer o day after. Se deixarem o oportunismo tomar conta, em todas essas medidas que estão sendo propostas pelos governadores e legislativo, poderemos amargar uma crise fiscal sem precedentes, vendo o risco país nas alturas e a curva de juros na mesma direção. Isso desencadearia uma recessão de mais longo prazo do que em outros países, o que afetará todos os brasileiros, principalmente os mais pobres.