Especializado em infraestrutura, Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, avalia que a abertura do mercado brasileiro de aviação a empresas estrangeiras, mesmo unilateral, é essencial para aumentar a concorrência e garantir opções em um segmento no qual bancarrotas de empresas fazem parte da história, e não só no Brasil, onde nem todas as regras de mercado se aplicam.
– O consumidor pode ser bem servido com mais competição –avalia.
Na semana passada, além de o presidente Michel Temer assinar uma medida provisória permitindo que empresas do Exterior tenham 100% do controle de companhias aéreas no Brasil, o futuro ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, avisou que o governo Bolsonaro pretende acabar com a Infraero, por extinção ou privatização.
Abrir o mercado de aviação de forma unilateral será positivo?
O grau de concorrência nos mercados no Brasil é muito baixo, de baixo para moderado, dependendo do segmento. Há muitos setores cartelizados, como o de distribuição de gás, já punidos pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência, responsável por garantir competição). Ainda temos agenda pesada nessa área. Cartelização é problema amplo, relacionado a sistemas de proteção instalados no país há muitos anos. Temos uma economia muito protegida, com barreiras externas e domésticas à competição, que fica muito limitada. Essa dificuldade é muito relevante. Já assistimos à bancarrota de estatais, como a Vasp, e de empresas privadas, mas muito dependentes do Estado, como a Varig. Mas bancarrotas também ocorrem no Exterior, caso de Panam e TWA, por exemplo. Esse é um segmento cíclico, em que a melhor coisa que se pode fazer é abrir competição. Se não, o consumidor pode ser pego de surpresa e não tem alternativa. Praticamente todos os países abriram seus mercados da forma como estamos abrindo.
É válida a crítica à falta de exigência de abertura de outros países a empresas brasileiras?
Conheço esse argumento, mas considero equivocado, falacioso. Equivale a dizer que vamos deixar para as calendas gregas. O que interessa ao nosso país, copiar os maus exemplos? Não tenho como defender isso. Podemos usar essa abertura também como argumento para reforçar eventuais negociações futuras. Podemos cobrar, na conversa, 'estamos abrindo, o que vocês estão fazendo?' É mais um sinal de que o Brasil está disposto a abrir sua economia sem esperar 10 anos.
Se a nova leva de privatizações envolver as joias da coroa, como Congonhas e Santos Dumont, é preciso oferecer blocos. Se querem as joias, vão ter de levar os megaossos (pequenos terminais).
Mais competição vai resultar em passagens mais baratas, depois da frustração com a cobrança de bagagens?
Essa indústria oferece serviços muito diferenciados entre sim, em alguns casos, muito simples, uma viagem de um ponto a outro sem qualquer refeição, outro mais caros e complexos. A precificação do serviço se tornou muito complexa, e varia com a oferta e da demanda. Não temos mais direito de embarcar com mala sem tarifa extra e não pagamos mais barato, mas o sistema torna difícil até calcular a diferença nas tarifas, que mudam a cada 10 ou 15 segundos. Os softwares introduzidos nos últimos 15 ou 20 anos determinaram isso. Os valores mudam muito rápido, não tem como travar preços. O consumidor vai ser beneficiado, mas ficou difícil comparar preços.
Há expectativa realista de desconcentração?
O consumidor pode ser bem servido com mais competição, não com menos. Mas não é impossível que, agora, possa se tornar mais concentrado. A Azul fez uma oferta pela Avianca (a companhia informa que apenas 'tem o dever' de avaliar a compra, mas que não abriu negociação). É melhor do que ir à bancarrota, mas o ideal seria que uma empresa de fora viesse comprar a Avianca, principalmente as de baixo custo. Na Europa, mercado muito regulado, surge uma nova a cada dia. Na índia, era tudo reguladíssimo, o país trabalhou nas reformas no final anos 1980 e hoje é o país que mais cresce, mais do que a China. Lá, o setor aéreo passou por uma transformação radical, inimaginável.
Está mais do que na hora de abrir esse setor, que era considerado estratégico porque, em caso de guerra, o governo podia requisitar aviões para transporte de tropas, carga.
Haverá interesse de empresas estrangeiras num país complexo como o Brasil?
O Brasil precisa se tornar um país normal. Não podemos seguir com susto todo dia. É preciso dar segurança jurídica, previsibilidade regulatória. É muito importante que essa medida provisória, ao se tornar lei, não seja reinterpretada de forma absurda por STF, STJ ou um juiz de plantão. O país tem certo elemento de anormalidade em relação a poder de mercado. O Brasil já mudou muito do ponto de vista macroeconômico, mas no microeconômico temos agenda ainda muito, muito pesada. A liberação foi estimulada pela quebra da Avianca. Estava no forno, mas era para o próximo governo fazer. Está mais do que na hora de abrir esse setor, que era considerado estratégico porque, em caso de guerra, o governo podia requisitar aviões para transporte de tropas, carga. Daí nasceram as restrições.
E há atrativos?
Certamente deve ter muita empresa olhando os ativo. Temos quatro empresas – Latam, que teve piora no serviço, Gol, que conseguiu evoluir, Azul, que é inovadora, interessante, e Avianca. Não tem muito mais, só pequenas regionais. É pouco para um mercado do tamanho do nosso. O que atrai é o tamanho do território, um dado da natureza, regiões que crescem fora da área litorânea, como o Centro-Oeste, e o mercado que cresce muito rapidamente.
O anunciado fim da Infraero é problema ou solução?
Temos problemas enormes com estatais. O principal é a captura. A Petrobras e a Eletrobras melhoraram muito, mas ainda enfrentam isso. Todo o setor de transporte do governo está sob influência de um partido (Valdemar Costa Neto, do PR, é apontado no mercado como "dono" do segmento). A expectativa é de que isso mude. Privatizar é um sinal importante, mas defendo que seja feito em blocos. É importante abrir, mas é preciso garantir competição entre esses blocos e viabilizar a operação dos aeroportos regionais. Se a nova leva de privatizações envolver as joias da coroa, como Congonhas e Santos Dumont, é preciso oferecer blocos. Se querem as joias, vão ter de levar os megaossos (pequenos terminais). Não gostamos de subsídios cruzados, com certa razão, mas a gestão privada
pode tornar os terminais regionais lucrativos, operacionalmente rentáveis.