À frente da Lojas Renner em três formatos – empresa familiar, com controle multinacional e sob o modelo corporation, sem controlador definido –, José Galló se tornou rosto e corpo da marca. Até o final do ano, vai deixar o comando executivo dos negócios. Antes de passar para o conselho de administração, teve o prazer de abocanhar o título de Empresa do Ano da tradicional publicação Melhores e Maiores, da revista Exame. Para justificar a escolha, foram apontados faturamento de US$ 2,2 bilhões e lucro líquido de US$ 221 milhões, 14% acima do ano anterior em 2017 (a conversão visa equalizar resultados obtidos dentro e fora do país de todas as companhias analisadas). Também foi o ano da estreia no Uruguai, teste para voos maiores, e de aumento de 10% no quadro de funcionários. Galló diz que não há data prevista, mas confirma a saída até o final de 2018.
O que representa ser a Empresa do Ano, em meio à crise?
É bom para mostrar que aqui no RS tem coisas interessantes. Temos proposta de valor muito forte, que é ser cumplice da mulher moderna, com produtos de moda, qualidade com preços competitivos, em ambientes práticos e agradáveis, com excelência na prestação de serviços e fazendo forma inovadora e sustentável. Essa proposta foi definida em 1996. O mundo mudou, tem novas tecnologias, novos comportamentos do consumidor. E o que a Renner faz? Mantém a proposta de valor e se moderniza. O ano passado não foi um ano de euforia. Quem tem uma proposta diferenciada e reconhecida pelo consumidor, se sai melhor. Foi o que nos levou a isso. No ambiente atual, de certa redução de negócios, o consumidor procura segurança, e as marcas fortes se saem melhor. Não só a Renner, qualquer marca forte que gere confiança no consumidor. É melhor estruturada e tem mais a confiança do consumidor.
Só a proposta de valor dá conta de explicar os resultados?
Também é um e-commerce que cresce de três a quatro vezes o que cresce e-commerce de vestuário no Brasil. Investimentos em treinamento e elevado nível de serviços, na redução do tempo das filas. Hoje, a Renner tem 12 engenheiros que trabalham com fornecedores. Ajudam a melhorar processos, aumentar a produtividade dos fornecedores, a reduzir o consumo de água nas lavanderias e energia elétrica.
É possível controlar o risco representado por fornecedores?
Muito controlável. Há mais de 10 anos, criamos a Abvtex, associação que reúne os maiores fabricantes brasileiros de vestuário. Todas essas empresas têm auditores que frequentam nossos fornecedores e seus terceirizados. A Abvtex tem uma espécie de certificação, um selo. Se uma empresa detecta problema em seu fornecedor ou terceirizado, todos deixam de comprar até regularizar a situação. No ano passado, fizemos mais de 4 mil auditorias nos nossos principais fornecedores, que representam 80% da venda. É um trabalho constante, pelos dois lados, é controle, mas também trabalho educativo da melhoria dos fornecedores.
Quais os resultados da operação no Uruguai?
Estamos vendendo 50% a mais do que o previsto. A Renner abre lojas em outro país, e essa singeleza faz com que 146 processos tenham de ser mudados. Moeda, impostos, procedimentos. Fizemos investimento de R$ 20 milhões para adequar processos e tecnologia para ir ao Uruguai. Agora, estamos preparados, quando necessário, para operar internacionalmente. Não temos nenhum plano, ainda, para ir para outro país.
Mas a Renner não fez um investimento deste tamanho só para operar no Uruguai?
Com certeza. No Brasil, temos 331 lojas, ainda podemos ter 450 até 2021, tem coisa para fazer aqui. Compramos a Camicado com 20 lojas, em 2011, hoje são mais de 101 lojas no Brasil. Temos a Youcom, com 92 lojas, que começou há quatro. A Renner também tem outros negócios que estão crescendo.
Por que a rede optou por não ter coleções assinadas, como a concorrência?
Fizemos com absoluta consciência. Precisamos ter áreas de estilo e de compras que tenham capacidade para captar as tendências mais atuais e transformar em produto por nós mesmos. Quando usa muitos personagens, acaba criando distrações do significado da marca. Faz as pessoas pensarem que o personagem é mais importante do que a loja. Queremos ter coleções tão boas, atualizadas, que reforcem o significado de lançadores de moda da marca Renner.
Como está se preparando para o afastamento da direção executiva, previsto para outubro?
Não me afasto em outubro, será até o final do ano. Vou passar para o conselho de administração. Que vai acontecer, não há dúvida nenhuma. São decisões que tem que avaliar, ver como está a empresa, mas não é postergação. É uma mudança que se mantém, tem data de referência, mas não tem uma data. A história da Renner tem de continuar, esse prêmio foi fantástico e maravilhoso, mas a gente diz que os prêmios reconhecem o passado, não garantem o futuro. Vamos para o próximo. É um prêmio diferenciado, porque compara o desempenho com 20 empresas de outros setores. Tem muito significado. A mudança tem de ser bem-feita para não interromper esse processo. Até porque vou para o conselho de administração, mas continuarei na empresa, colocando o nariz, mas não o dedo.
Como vê o cenário econômico?
Está em período de espera. Se tivermos a felicidade de eleger um candidato que esteja disposto a fazer as reformas necessárias, que seja aglutinador, tenha experiência em conseguir resultados na área pública, tudo bem. Se elegemos alguém fora desse padrão, o Brasil não vai acabar. Mas não vai crescer tanto, se modernizar tanto, vai se afastar mais do mundo. Estamos atrasados nessa corrida. É necessária uma reforma tributária e política. Se conseguirmos fazer isso, o Brasil passa a ser competitivo e aí, deixamos de ser o país do futuro para sermos o país do presente.