O desempenho da Lojas Renner durante uma das crises econômicas mais severas do país deu a seu diretor-presidente, José Galló, fama e reconhecimento. Neste mês, foi apontado como melhor CEO do país em escolha feita por seus pares para a revista Época Negócios. O caxiense de Galópolis manteve lucros crescentes, fez a empresa de capital pulverizado – sem um controlador – ganhar participação de mercado e se credencia como líder nacional do empresariado. Respondendo à brincadeira sobre sua "medalha de ouro", não perde o humor nem o pé no chão:
– Estou treinando há 40 anos para essa medalha.
Confira a entrevista completa:
Como a Renner identificou os sinais da crise e como agiu para enfrentá-la?
A crise é uma selecionadora. No Brasil, por exemplo, de 2003 a 2010, o varejo foi bem, os competentes e os incompetentes. Quando a crise chega, é possível ver quem tem diferenciais competitivos. É agressivo, mas é verdade. É a lei de eficiência. A crise não é só uma eliminadora de empresas, também pode ser um grande aprendizado. A grande luta de todas as empresas é ser diferente. É dar algo a mais. Não é preciso somente satisfazer os consumidores. Temos de encantá-los. Se uma empresa não satisfaz, morre. Se satisfaz, cresce devagar. Agora, se encanta, cresce e se desenvolve. A questão de se antecipar à crise está muito ligada a estar próximo do consumidor, a ter experiência com crises. Hoje a grande dificuldade que temos é explicar aos mais jovens o que é uma crise. Faz tempo que não há uma tão pesada. O mercado emite sinais. Em 2013, fizemos o primeiro grande ajuste. Em 2014, mais dois. Quando a crise veio, a Renner estava preparada. É preciso estar próximo do mercado, ter sensibilidade.
Você continua desejando "Feliz 2018"?
É. Tem muita gente que acha estranho, mas é isso, feliz 2018. O grande dilema é o que vai acontecer no pós-Dilma. O que (Michel) Temer vai fazer? Está emitindo sinais, cedendo. Diz que não cede, mas o (ministro da Fazenda) Henrique Meirelles toma posições fortes, o (ministro da Casa Civil) Eliseu Padilha diz "não é bem assim". A equipe econômica é muito qualificada. Há pessoas de qualidade na Petrobras, no BNDES. Melhor, impossível. O time é bom. Tem tudo para as coisas mudarem. A sociedade se mobilizou. Há certas reformas sobre as quais estamos falando com mais naturalidade. Tempos atrás, se você falasse de reforma previdenciária, por exemplo, seria apedrejado.
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Qual o papel do empresariado neste momento?
Deveria entrar mais em campo. As entidades não estão fazendo o que poderiam estar fazendo. Tivemos de criar o Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), em que temos as 50 maiores empresas brasileiras do setor, independentemente do ramo de negócio. Não ficamos discutindo como lucrar mais, temos protagonismo porque discutimos o que precisa mudar no país. Precisamos flexibilizar a legislação trabalhista. Aprendemos que, quando nos unimos, conseguimos. O empresariado não sabe a força que tem. De repente, parte entrou em jogo indevido, que não é bom para o país.
Ao aceitar a cadeira no conselho do Itaú Unibanco, você aplicou um dos conceitos de Sun Tzu, "conheça o seu inimigo"?
(Risos) Acho que fui convidado para falar de clientes. Estou lá pela minha atividade no varejo.
Ou seja, são eles que estão conhecendo o cliente?
Estamos em uma época em que a palavra-chave é disrupção. Temos o velho e o novo varejo. É muito importante entender para qual lado vai o consumidor. Esse é o meu papel. O que vejo no conselho é muita seriedade. Uma empresa com um corpo de executivos competentes. Para mim, está sendo ótimo, um excelente MBA.
Como a inadimplência impacta a Renner?
Defendo uma tese há 25 anos, embora ninguém acredite muito (risos). Nunca vimos uma crise de crédito dos consumidores no Brasil. Nunca. Nunca aconteceu. Por quê? Porque o consumidor brasileiro tem uma dependência brutal de crédito. Se cai numa lista negra, não compra, tem problemas com fornecimento de água, luz. Então, cuida do crédito. Na crise, há uma situação em que a inadimplência aumenta, mas é feito um rearranjo, há uma volta. Os números estão mostrando. Quando temos uma crise de crédito, é de uma empresa específica. Crise de consumidor não existe.
Na Renner, houve aumento da inadimplência?
Tivemos o momento em que houve uma subida, não relevante, um ou dois pontos percentuais. Hoje está em queda. Nós e o varejo percebemos isso. O Banco Central está mostrando.
A cultura de austeridade da Renner é vista como uma característica sua. O que é cultura e o que é atitude?
Em primeiro lugar, era do fundador da empresa, A.J. Renner. Não o conheci, mas o respeitamos muito. Cheguei, me identifiquei com isso, me sinto bem. Se você é austero, está preparado para a crise.
A lenda de que José Galló só veste Renner é verdadeira?
Eu visto Renner, mas preciso conhecer os produtos da concorrência. Compro muito nas minhas férias, trago muitas coisas para a Renner. Minhas últimas férias foram no Havaí. Voltei com 240 fotos, não de paisagens, mas de produtos, de lojas.
Você já disse que visitar lojas no final de semana é o seu Lexotan. Na crise, a sua milhagem aumentou?
A gente aprende na loja. Quem está mais próximo do cliente é o vendedor. Quando visito uma loja, a primeira pessoa com que eu falo é o vendedor, depois com o gerente. Outra coisa que faço é dar uma circulada rápida. Em três minutos, percorro toda a loja. Se a loja estiver bagunçada, em 15 minutos fica totalmente arrumada. Mas a milhagem não aumentou. Normalmente, são duas ou três no final de semana.
Outra fama é o microgerenciamento, que inclui o sistema "big brother" de acompanhamento e interferência nas lojas. Funciona?
Temos câmeras que dão acesso às lojas, é algo muito usado na área de operação. Alguém da Renner fica olhando os estabelecimentos. Faço isso de vez em quando. É algo construtivo.
A Renner pensa em ser uma consolidadora do varejo?
A consolidação é inevitável, uma lei de mercado. Os cinco maiores operadores de vestuário no Brasil – Renner, C&A, Riachuelo, Marisa e Pernambucanas – têm cerca de 16% do mercado formal. Só que 40% do mercado de roupas não paga imposto. Se olhar o todo, temos de 10% a 11%. É muito pouco, então a consolidação é inevitável. É óbvio que nós seremos, assim como quem tiver competência para ser. Quem tiver o valor que mais encante o cliente será o maior consolidador. A crise dá uma boa acelerada.
Há algo acontecendo nesse sentido?
Veja as placas de "aluga-se". Hoje em dia, quem está ganhando dinheiro é quem faz essas placas.
Como a Renner está se posicionando?
Hoje achamos que temos potencial para 450 lojas no Brasil. Vamos acabar este ano com 300. A Renner pode crescer não só com novas lojas. Aqui no Estado, temos participação de mercado bem relevante. Podemos crescer não só com mais lojas, mas colocando mais venda por metro quadrado nas atuais. Estamos experimentando o Uruguai agora.
A Renner está olhando para outros segmentos?
Não dá para dizer que não estamos olhando, mas já temos com o que nos divertir.
Pergunta de Simone Leite, presidente da Federasul
O que esperar da situação das finanças do Rio Grande do Sul?
Estamos sofrendo mais aqui do que em outros Estados. O consumo não é só impulsionado pela renda e pelo salário. É reflexo também da confiança. O que temos hoje no Brasil é a recuperação da confiança. O desemprego continua, vai piorar mais um pouquinho. Aqui no Estado, temos um duplo problema. Todos esses fatos estão mexendo com a confiança.
Pergunta de Marcelo Rech, diretor editorial do Grupo RBS
Quais as projeções da Renner para este ano?
Acho que vamos ter uma melhora no final do ano. Tivemos erros na coleção, mas teremos um final de ano bom.
Pergunta de Paulo Kruse, presidente do Sindilojas
Como a Renner atua para evitar o trabalho escravo?
A maior parte da indústria brasileira de confecção é, digamos, um prédio onde se corta o tecido, que é mandado para costura em oficinas. Aí começam os problemas. Temos um programa que certifica as oficinas, e isso tem um custo brutal. Criamos a Associação Brasileira do Varejo Têxtil, temos um selo de qualidade. Se algum fornecedor é pego pela BVTEX, não vende mais para o grupo de empresas. Fora isso, temos 10 engenheiros que trabalham com os fornecedores para melhorar os processos. Além disso, dentro de um programa de sustentabilidade, buscamos reduzir o consumo de água. No entanto, há uma espada sobre a nossa cabeça. Daqui a pouco, alguém contrata um trabalhador e não o registra, e vem toda a legislação. É um problema, já que tudo pode acontecer. Estamos em um programa do BNDES, passando recursos para nossos fornecedores.
Como funciona o sistema de apoio aos fornecedores?
Normalmente, os fornecedores são pequenas e médias empresas, em que a gestão não é um ponto forte. Então, semeamos a eficiência e a gestão, além de apoiá-los. O BNDES também tem interesse nisso. Ouvimos bastante sobre o banco por motivos não muito sociais. Mas é preciso lembrar que o BNDES também tem um "S" de social.
Como a Renner está administrando o câmbio instável?
Há horas em que ganhamos e outras em que perdemos. A coleção de inverno, por exemplo, é comprada com oito meses de antecedência. É preciso arriscar, faz parte do negócio. Acertamos e erramos.