Um dos efeitos colaterais das sucessivas altas da gasolina é a 'redescoberta' do etanol. No Rio Grande do Sul, que não tem produção própria e alíquota alta de ICMS, é raro obter resultado positivo da famosa conta para avaliar se abastecer com o derivado da cana-de-açúcar é mais vantajoso para o bolso. Pelo cálculo tradicional, para valer a pena, o limite do preço do etanol é 70% do valor da gasolina. Mas novo estudo conduzido pelo Instituto Mauá de Tecnologia, reconhecido pela capacidade, aponta maior eficiência do álcool. Conforme Alfred Szwarc, consultor de emissões e tecnologia da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), a relação se elevar a até 75%. É pouca diferença, mas com a explosão na bomba, pode valer a pena testar.
Há um renascimento do etanol?
O governo, por meio do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que cuida da livre concorrência), vai fazer um levantamento do que está acontecendo. Existe suspeita de cartel. No Brasil, o mercado é muito variável e dependente do cenário macroeconômico. No momento, é uma oportunidade. O país está começando a se equipar com planos e programas como o RenovaBio, para aumento de produção mais eficiente de biocombustíveis. Do ponto de vista de estímulo à produção, podemos ser otimistas quanto ao futuro de etanol e outros biocombustíveis, como biodiesel e bioquerosene de aviação.
É raro o preço do etanol ser conveniente no RS com a fórmula dos 70%. É preciso refazer a conta?
O Instituto Mauá de Tecnologia fez um teste de campo, em estradas e ruas em condições normais de uso, em vários horários, para avaliar os dados da certificação de veículos do Inmetro baseados em testes de laboratório. Segundo o Inmetro, a média da relação da eficiência entre veículos flex usando etanol fica em torno de 69% a 70% da gasolina. Os testes do Mauá indicam que, dependendo do modelo e do tipo de veículo utilizado, a relação pode chegar até 75%. É muito interessante para o consumidor não usar apenas a referência oficial. É válida, mas é feita em laboratório, não em campo, então é limitada. A nova pesquisa foi feita em situações reais pelas quais o veículo passa. A recomendação fazemos é a de que o consumidor avalie, faça a conta, conheça seu veículo e seu trajeto. Pode se surpreender positivamente com o etanol. Alguns modelos têm eficiência energética superior à esperada.
O estudo leva em conta que estradas e ruas em 'condições normais de uso' são difíceis?
Sim, é feito em um circuito de ruas com vários tipos de asfalto, sinalização, em vários horários, com vias congestionadas, não congestionadas, pista molhada e seca. Cada modelo foi testado com cinco unidades e motoristas diferentes.
Os motores flex retardam a chegada do carros elétricos ao Brasil?
Não, são complementares. Elon Musk mandou seu carro elétrico para o espaço e, no dia seguinte, a Tesla declarou um prejuízo absurdo no terceiro trimestre de 2017. Esse prejuízo, segundo o noticiário, deve-se aos altíssimos custos de produção do Modelo 3, que seria o carro popular – por US$ 35 mil, não é exatamente popular, mas é comparado ao que custa US$ 75 mil. Os carros elétricos precisam evoluir em autonomia, redução de custos. É um mito dizer que o Brasil está atrasado em carro elétrico. Mesmo lá fora, existe a dificuldade da infraestrutura de recarga. As cidades europeias, por exemplo, são antigas. Mudar a fiação de um prédio antigo não é tão simples se você for o único morador com um carro elétrico. Outros condôminos não querem compartilhar o custo.
Mas saídas serão encontradas, não?
O carro elétrico a bateria vai vir, é uma realidade, mas temos – no Brasil e na região, porque o etanol também é utilizado no Uruguai, Paraguai, Argentina, Colômbia – soluções interessantes para nosso poder aquisitivo. Podem ser uma ponte de transição para a mobilidade 100% elétrica. Se a eletricidade é produzida a partir de carvão mineral, como na Europa e nos Estados Unidos, a solução não é tão limpa.
Qual o futuro do etanol, nesse cenário?
Existe a possibilidade de usar etanol em veículos híbridos. A Toyota já noticiou o lançamento de um veículo híbrido com motor flex para o Brasil que poderá, depois, chegar a outros mercados. Será o primeiro flex híbrido do mundo, lançado, segundo a montadora, em 2019. É o primeiro passo para a eletrificação da mobilidade. O segundo é o que a Nissan trouxe ao Brasil na Olimpíada, um protótipo com célula de combustível abastecido a etanol. Dirigi esse carro na fábrica da Nissan no Paraná, ainda é um protótipo, deve levar alguns anos para chegar ao mercado, mas é uma solução interessante. O sistema de propulsão, de geração de eletricidade a bordo de um protótipo pode ter aplicações em fontes estacionárias, produzir energia elétrica de forma descentralizada, como sistemas de backup para hospitais, escolas, onde se precisa de energia limpa, renovável, e não faça barulho. É a mesma ideia de usar hidrogênio no motor convencional adaptado. Esse protótipo tem tanque de 30 litros, que passa por processamento no qual se extrai o hidrogênio do etanol. Esse hidrogênio é convertido em eletricidade que move o carro. Então é um veículo elétrico a etanol.
E qual o futuro da produção de etanol no Rio Grande do Sul?
O Estado poderia se transformar em grande produtor de etanol de segunda geração em cinco ou seis anos. É um Estado com base agrícola forte, que gera biomassa – casca de arroz, de trigo, de milho, resíduos agrícolas. No Brasil, há apenas duas unidades de etanol de segunda geração, uma em São Paulo, a partir de bagaço e palha da cana, e outra em Pernambuco, a partir da folhagem da cana. Qualquer Estado que tenha biomassa pode ser produtor de etanol. EUA e Canadá são os países com mais investimento nesse segmento, e Canadá tem essa característica de grandes plantações e produção de biomassa. A Argentina produz 55% de seu etanol a partir de milho, só 45% com cana. Não há impedimento para a produção de etanol no RS. No Centro-Oeste, há quatro usinas flex que produzem etanol de milho na entressafra da cana.