O 14ª edição do CEO Fórum, evento da Câmara Brasil-EUA (Amcham) que se realiza nesta quinta-feira (26) no Teatro do Bourbon Country, a partir das 13h30min, está conectada com o período de retomada na atividade econômica: convida a renascer, reinventar e revolucionar. Um dos convidados faz isso desde os 12 anos. Marcio Fernandes começou a trabalhar com essa idade e deixou há pouco mais de um mês a presidência da distribuidora de energia Elektro, depois da incorporação da empresa pela Neoenergia, da espanhola Iberdrola, escreveu um livro chamado Felicidade Dá Lucro. Em conversa com a coluna, deu detalhes sobre o que chama de "gestão ancorada na felicidade". Além de Fernandes, vão palestrar Claudio Toigo, CEO de Mídias da RBS, Marciano Testa, fundador e Presidente do Banco Agiplan, e Peter Kronstrom, head do Instituto Copenhagen de Estudos para o Futuro. Também haverá um pitch (apresentação rápida) da startup vencedora do Amcham Arena, Rocket Chat.
Qual é a definição mais simples para gestão ancorada na felicidade?
É uma gestão que inclui as pessoas. Por muito tempo, as empresas se distanciaram das pessoas. Isso vem fazendo mal para os negócios e, sobretudo, para as pessoas. Essa é uma forma de reconectar as pessoas com coisas que fazem sentido. Então a empresa demonstra interesse genuíno pelas suas pessoas e, consequentemente, pelos seus clientes, e as pessoas passam a trabalhar na empresa porque faz sentido para elas, não porque são obrigadas, porque tem como única opção trabalhar naquela empresa ou porque precisam do salário, mas porque têm um propósito.
Essa desconexão é o motivo pelo qual grande o número de pessoas odeia segundas-feiras?
Na verdade, as pessoas odeiam a semana toda. Mas ficam com mais raiva da segunda-feira porque viveram um sábado e um domingo legais e têm de voltar à vida real. Aí ficam pensando que é uma equação injusta, em que descansam e são felizes dois dias e vivo triste e trabalhando cinco dias. A segunda-feira paga a conta. As pessoas podem encontrar mais felicidade se viverem um pouco mais os seus propósitos. E as empresas podem ser menos arrogantes e mais acolhedoras do ponto de vista da convergência desses propósitos com a razão de ser do próprio negócio. Por muito tempo, empresas acharam que isso não cabia dentro de ambiente corporativo, mas cada vez mais o que se vê é que empresas que encontram um sentido no que fazem e conseguem convergir com os propósitos das pessoas têm mais sucesso. As margens são melhores, a aceitação do produto é melhor. É assim que tem de ser, não a pessoa que tem raiva de tudo, do chefe, da empresa, inclusive da segunda-feira.
Você costuma dizer que empresas não devem "comprar" a permanência dos funcionários, oferecendo vantagens. Isso costuma ser visto como retenção de talentos. Isso mudou?
Infelizmente, não mudou ainda. Tenho falado muito pedindo que as empresas mudem isso. É uma relação que não é saudável. Imagina que você comprasse o amor de alguém. Não é algo que tenha vontade legítima, que a pessoa queira estar ali. Todas as vezes que recebe proposta, a pessoa sabe que tem uma política de retenção, vai lá, coloca a faca no pescoço dos gestores e recebe um aumento. É um círculo vicioso, em que o aumento majoritariamente é dado nessas circunstâncias e as pessoas que ficam procurando um jeito de sair seriam mais felizes se encontrassem um propósito para ficar. Então, em vez da retenção, prefiro a escolha legítima. A empresa, em vez de se esforçar para fazer política de retenção de pessoas, vai dar o direito à liberdade de ir e vir e fazer com que as pessoas com esse direito possam escolher a empresa. Então escolhe a empresa porque viu coisas que ela quer, que faz sentido para a vida dela. Costumo dizer que a empresa vira o veículo que leva a pessoa para o sonho dela. Se a pessoa cuidar desse veículo, der manutenção, manter sempre limpo e organizado, esse veículo vai levá-la sempre, com segurança e conforto. Agora, se tratar mal, o veículo pode ficar ruim. Da mesma forma, o veículo precisa sempre de pessoas que façam uma condução bem feita. Precisa capacidade de atrair boas pessoas, não de retê-las.
A gente pode fazer melhor com nosso jeitinho caipira.
Marcio Fernandes
Autor de Felicidade Dá Lucro
Esse estilo de gestão pode ir da alta gestão ao chão de fábrica?
Sim, é principalmente para operário de chão de fábrica. Infelizmente, estamos habituados à síndrome do vira-lata. A gente acha que não é bom em nada, que é coitadinho, o que é bom é o que vem de fora. Quando propõe para pessoas que estão nas posições iniciais de carreira, que estão estudando ou são operários, não conheço ninguém que queira piorar. Todos querem melhorar. O que faltou para essas pessoas até agora é ajudá-las a conceber e manter um propósito vivo. Vou dar um exemplo. Na empresa em que trabalhei até setembro, tínhamos 2,5 mil eletricistas. Por muito tempo, os eletricistas reclamavam da condições de trabalho, e não eram felizes fazendo o que faziam. Por que há um risco à segurança quando se expõe à rede elétrica. Depois que começamos com um trabalho de protagonismo e propósito, com desenvolvimento das pessoas, dos 2,5 mil, mais de 1,5 mil estão cursando a universidade e pagando com próprio dinheiro. Passaram a acreditar mais neles mesmos e deixaram de ser dependentes daquele que era visto como único provedor de desenvolvimento que era a empresa. O protagonismo faz com que eles se libertem. São livres para ir e vir e livres para estudar. Se não houver oportunidade de protagonizar nas empresa seus sonhos, vão para outra situação em condição muito mais adequada para que possam progredir. Isso vale para todos os níveis.
Em que circunstâncias você começou a trabalhar como empacotador?
Comecei como empacotador de loja e trabalhei ali por três, quatro anos. Sempre fui rebelde, mas optei por coisas que faziam sentido. Não era um rebelde sem causa. Gostava de acreditar em mim e de imaginar coisas que poderia conquistar para minha vida. Sempre fui um sonhador, mas infelizmente nem todos os sonhos pude realizar na hora que queria, do jeito que queria. Comecei a trabalhar com 12 anos.
Isso era legal?
Na época, podia. Comecei em 1988 e a partir de 1990 mudou a lei. Agora estou com 42 anos e já trabalho há 30. Na minha casa, a gente sempre foi humilde, muito simples. Minha mãe nessa época ainda era empregada doméstica, depois passou a ser cabeleireira, porque ela também estudou muito. Meu pai era metalúrgico. Nunca faltou nada em casa, mas não tinha extravagância, nenhuma. Ter um videogame era uma grande extravagância, mas queria. Convenci minha mãe de que, aos 12 anos, poderia estudar à noite. Estudei à noite a vida inteira, nunca perdi um dia de escola, nunca foi reprovado. E comecei a trabalhar.
Você chegou a presidir uma empresa, a Elektro, em um momento difícil. Como foi conciliar esse espírito nesse momento tão complicado?
Não foi nada fácil. A partir de 2011, a gente costumava usar uma expressão muito atípica, dizíamos que, a partir daquele ano, o passado era imprevisível. A situação era tão terrível que nada mais era estável e tudo começava a mudar numa intensidade e numa frequência absurdas. E justamente neste momento estava acabando de ser nomeado presidente da empresa. E tinha muitos sonhos. Em conversas com minha, que relato no livro, dizia que queria tanto fazer coisas legais, que pudessem incluir as pessoas, trazer para um patamar de participação e evolução. Mas em momento de crise tão intensa, como fazer? Com toda simplicidade, minha mãe disse 'pergunte para as pessoas, converse com elas'. Foi a primeira coisa que fiz. Conversei olho no olho com 4 mil pessoas. Passei três meses viajando, de forma ininterrupta, para poder fazer isso. Foram só 228 municípios (risos). E não tinha voo para todos. Colocava meus filhos para dormir à noite e saía, porque tinha de chegar, por exemplo, a Pirapozinho, no começo do turno. Não podia afetar a qualidade e a produtividade do meu time só porque queria conversar com eles. Foi legal, porque inspira pessoas a fazer o mesmo. A gente faz uma coisa porque acredita, e outras fazem pelo exemplo e depois passam a acreditar também. Percebi que a melhor forma de fazer é quando não está em crise, mas se estiver em crise, é maravilhoso também, porque as pessoas estão tão ansiosas por se fixar, segurar em algum lugar. E às vezes acabam se fixam em coisas que não são boas, caminhos duvidosos. Quando coloca um caminho bom, próspero, do bem, as pessoas não perdem a opção. Aproveitam muito. Um bom líder tem de usar 70% de seu tempo com as pessoas.
Depois de 13 anos, você saiu da Elektro há pouco mais de um mês, dizendo que queria novos planos. Não era para se livrar do setor elétrico? E quais são esses planos?
Sou apaixonado pelo setor elétrico. Inclusive vou para Brasília só para matar a saudade dos amigos da Aneel. Estive lá recentemente, disseram que acharam que não iam me ver mais. Respondi que não iam se ver livres de mim. Adoro o setor, mas fiquei 13 anos, preciso respirar novos ares. Vejo que no mundo corporativo tem muita gente precisando. Felizmente, estou sendo convidado para muitos conselhos de empresas de vários setores, siderúrgico, de bens de consumo, automotivo, varejo. Tem muita gente precisando de ajuda e fico feliz da vida de poder contribuir. Agora tenho tempo.
É assim que você quer viver a nova etapa da sua carreira, em conselhos, não quer mais gestão direta?Tenho dividido meu tempo tem duas partes bem definidas. A primeira é para conselhos, é uma forma de poder ajudar mais empresas em alta performance. Outra é com trabalho de ajuda direta, não gosto de chamar de consultoria. Não sou o cara que chega sem ser chamado e fala o que pessoa já sabe. Quero pessoas que queiram fazer boa gestão. Tenho ajudado algumas grandes empresas mundiais, fora do Brasil inclusive. Tenho sido uma espécie de conselheiro, oficial e oficiosamente. Obviamente não me fecho para uma posição de CEO eloquente e maravilhosa que possa me oferecer um ânimo incrível, mas a probabilidade de isso acontecer é bem baixa. A gente passou muito tempo obrigado a fazer coisas. Agora a gente faz porque quer. Isso diminui a estrutura de comando e controle e tira os modismos criados fora do país e embutidos aqui como se fosse anglo-saxão. A gente pode fazer melhor com nosso jeitinho caipira.