Presidente da CEEE, Paulo de Tarso Pinheiro Machado, confirma o risco de não pagamento de salários na CEEE-D, o braço de distribuição da estatal, e avalia que só uma "melhora abrupta" – portanto pouco provável – do mercado poderia evitar essa situação. O executivo atribui a piora na situação da estatal à perda de receita, estimada em 25%, que afeta todo o setor elétrico, mas a estatal gaúcha em particular.
Existe risco concreto de não pagamento em dia dos salários da CEEE?
Existe, na medida em que a questão financeira, do fluxo de caixa, vem apresentando dificuldade. Tivemos queda de arrecadação bastante expressiva, cerca de 25% do total, com a redução de consumo e a migração de consumidores cativos para o mercado livre. Essa é uma conjuntura a que todo o setor elétrico está submetido. A questão na CEEE é mais complicada. Nesse momento, a companhia tem os melhores indicadores de efetividade, na qualidade da prestação de serviço. Pesquisa colocou a empresa em quarto lugar na percepção do consumidor. Em que pese essas melhoras, a situação econômico-financeira não teve o mesmo ritmo, porque a CEEE carrega um pesado custo estrutural, de temas e de itens de gastos que não estão dentro da tarifa. Tivemos, também nessa área, algumas mudanças, como um desligamento de pessoal e um plano de desligamento incentivado. Em janeiro de 2015, havia 4,2 mil funcionários, hoje estamos com cerca de 3,4 mil, o que significa redução de 800 pessoas. Mas a situação financeira não mudou, agravada pela conjuntura desfavorável que temos hoje. Traz risco não só para salários, mas para fornecedores, para manter a operação e a manutenção das atividades regulares. Temos trabalhado de forma intensa usando esforço para tentar não configurar essa situação, mas existe possibilidade e elevado risco de que venha a ocorrer. Torcemos para que não aconteça, mas a conjuntura, o quadro financeiro é esse que está posto.
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O que poderia afastar esse risco?
Somente se houver melhora abrupta do mercado, para que tivéssemos a recomposição das receitas que perdemos no curtíssimo prazo. Estamos trabalhando com medidas que dependem de regulação, como o reconhecimento de custos no compartilhamento entre empresas. Mas são medidas que, embora tragam alguma repercussão, não mudam o quadro estrutural, de despesas muito grandes, absolutamente inflexíveis, que obviamente não se trata de culpa de alguém. Outra alternativa é a busca de recursos. Estamos fazendo campanha de regularização de ligações irregulares, os chamados gatos. Dá a perspectiva de colocar, dos R$ 200 milhões que perdemos anualmente, até R$ 150 milhões no caixa, obviamente que até o fim da campanha. Mas essas são questões que se processam no tempo com a situação da operação, com a execução do programa, e outras medidas que estamos buscando, que também dependem da questão regulatória, que é a captação de recursos junto a instituições bancárias, que até nos estaremos em Brasília nesta semana conversando com a Aneel, porque está com a Aneel um pedido para realização de uma operação de crédito que está perfeitamente normal, e inclusive já tem aprovação da instituição financeira e precisa ser anuído pela Aneel.
Havia expectativa de solução interna para a CEEE. Hoje essa hipótese está mais distante?
Quando dissemos que a solução poderia ser endógena, isso significaria um esforço de todo o grupo CEEE, principalmente da distribuidora, no sentido de se readequar e de se reajustar a seu quadro, à sua realidade regulatória. Quando chegamos, tivemos a constatação de informações, de que algumas despesas estavam acima do nosso nível regulatório. Reduzimos o custo operacional de 25%, tentamos buscar redução de pessoal. Isso tem limites legais. O passivo trabalhista já estava em declínio quando assumimos, e aceleramos esse declínio. Agora, temos elementos que são inflexíveis, como os salários dos altos níveis autárquicos, que representa uma cifra de R$ 100 milhões/ano. Se tivéssemos R$ 100 milhões a menos na nossa despesa, certamente não estaríamos passando por essa situação mesmo nessa conjuntura bastante adversa do setor. Dizia que a saída da CEEE era a própria CEEE. Com o tempo, percebemos que alguns elementos tinham limite, como as demissões. Precisaríamos aumentar o número de desligamentos. É sempre um processo difícil, especialmente para um presidente que é economista e que tem o compromisso com a geração de emprego e renda. Desemprego é um sinal de não desenvolvimento. Mas quando a empresa enfrenta dificuldades, tem de adotar medidas duras, mas necessárias inclusive para justificar sua própria sobrevivência. Nos dois anos anteriores, negociamos com o sindicato 50% do índice de correção. Agora, os funcionários dizem que passaram dois anos no sacrifício e que agora não aceitam mais. A situação exige ainda muitos sacrifícios pela frente.
A CEEE está com pendências de R$ 500 milhões, que atrasou para pagar salários em dia?
É verdade. São compromissos tributários e encargos setoriais, e alguns programas que nós temos que remunerar. Mas aí uma notícia boa e uma que não é tão boa: a boa é que conseguimos recompor, em um programa de repactuação tributária, tanto impostos federais quanto estaduais. Acabamos de repactuar cerca de R$ 200 milhões com impostos federais, o que tirou um peso da nossa dificuldade. Todavia, ainda sobra um expressivo valor na questão dos encargos.
Existe fundamento nas alegações da corporação, que vê tentativa de forçar a privatização, acentuando os problemas da estatal?
Não tenho conhecimento dessa situação, mas existem algumas correntes, algumas vozes preocupadas e impressionadas com a possibilidade de federalização ou privatização. Todo o conjunto da companhia tem conhecimento da situação, sabe da dificuldade. Os funcionários da CEEE-GT sabem que a situação da CEEE-D é muito difícil. Na governança, temos de ter transparência. Uma questão fundamental ter clareza da realidade para saber enfrentá-la e buscar alternativas. Há uma situação difícil no setor, que atinge empresas públicas e privadas. Quem quiser colocar isso para baixo do tapete vai estar usando a atitude do avestruz, enfiando a cabeça na terra e não querendo enfrentar o problema. Temos de enfrentar o problema de frente. Como gestores, temos o compromisso de enfrentar essa situação. Mas através de alguns recursos a que tivemos acesso em fontes internacionais, a CEEE tem feito um esforço de investimento. Estamos investindo na melhoria e expansão da nossa infraestrutura elétrica graças a recursos externos. Nossa dificuldade é que passam a se limitar recursos internos e investimento, até porque consideramos investimento toda atividade de manutenção e operação, que é dar o atendimento no cotidiano aos problemas que acontecem, deslocamento de equipes, terceirizados. E é aí que começa a haver dificuldades, obviamente com atraso aos fornecedores. Estamos fazendo a gestão para não chegar a nenhum ponto de estressamento. Não há nada de não transparência no sentido de que possamos trazer todas as informações necessárias aos públicos que nos circundam.
A CEEE-GT poderia socorrer a CEEE-D em caso de necessidade e fazer o pagamento dos salários?
Seria uma anomalia. As empresas têm suas finanças independentes. Cada uma tem seus compromissos regulatórios e financeiros. Se isso acontecesse, seria por força de uma compulsoriedade determinada por terceiros, no caso a Justiça, e que representaria uma anomalia. Isso não é a normalidade, não está no nosso radar, até porque isso seria, na linguagem comum, vestir um santo e despir outro. Você pegaria recursos de uma empresa que está bem para socorrer uma empresa que está mal. E também precisaria da concordância dos sócios.
Há alguma solução de curto e médio prazo?
Estamos trabalhando em soluções de curto e médio prazo, como essa readequação de compartilhamento de custo, o que diminui pressões pontuais e nos permite trabalhar de forma a enfrentar essa situação. Fazendo uma analogia, diria que a gestão lida com um paciente em condição bastante grave. Nosso dever é preservar esse paciente e dar a ele conforto no sentido de que possa manter suas funções vitais em dia. O trabalho é para evitar estressamento de seus compromissos e suas obrigações, seja com fornecedores ou funcionários, na manutenção do serviço público que obtivemos a duras penas nesse período, e preservar seu principal ativo, que é a concessão renovada no ano passado.
O que seria esse estressamento?
A possibilidade de não pagar os salários em dia, de não honrar os compromissos com fornecedores, de redução na qualidade do serviço, que hoje é reconhecida pelos nossos clientes com uma melhora e a preservação da normalidade corporativa. Mas essas possibilidades estão no nosso radar e podem vir a acontecer. E isso temos de estar, primeiro, ter transparência com relação a isso e, segundo, mitigar as tomadas de decisões no sentido de evitar esse processo.