Presidente da Foton Aumark Brasil, o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros trouxe um grupo de investidores chineses para o Estado, criando a expectativa de construção de uma fábrica em Guaíba. A crise fez o projeto patinar, e a fabricação nacional começou em Caxias do Sul, usando capacidade ociosa da unidade da Agrale. Nesta entrevista, Mendonça admite que chegou a pensar em desistir, mas assegura que os chineses compareceram e a obra em Guaíba deve ficar pronta no próximo ano, mesmo bem menor do que a planejada.
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Depois de muito suspense, a Foton começou a fabricar caminhões nacionais. A empresa fica no Estado?
O mercado de caminhões é um dos segmentos que mais sofreram com a crise. Estávamos prontos para chegar ao break even (equilíbrio entre receita e despesa), e voltamos ao prejuízo. Foram anos muito difíceis, fizemos um atalho, que foi usar a fábrica da Agrale, com linha de produção muito semelhante à que teremos em Guaíba. E atrasamos o projeto. A Foton chinesa abriu subsidiária integral em Guaíba. Vai trabalhar em paralelo, assumindo compra de componentes, propaganda e marketing. Também negociou com um banco chinês linha de aval para bancos brasileiros financiarem as revendas. A Foton China veio para o Brasil e já começou a conversar com os fornecedores com um mapa de lançamentos no país. Tem um primeiro produto muito parecido com uma Kombi, uma van mais barata, para passageiro. Depois vêm caminhões mais pesados e um ônibus elétrico. Vão trazer para Guaíba a linha completa, que será exportada para toda a América Latina.
Qual é o investimento nessa fábrica pequena?
Deve ter uns 7 mil metros quadrados ante 20 mil metros quadrados da fábrica anterior. O investimento, que era de R$ 85 milhões, vai para pouco menos que R$ 40 milhões. Mas tivemos de fazer um trabalho de engenharia, que teve investimento de R$ 10 milhões, que não aparece, mas antecede qualquer outra coisa. Tem peças da China que vêm com qualidade muito baixa e são substituídas por peças produzidas por fornecedores de Caxias. Esse fornecedor agora entra na rede internacional da Foton. O padrão de comparação aqui no Brasil é diferente do da China. Não posso ter um caminhão que, de vez em quando, explode o tanque.
O que está acontecendo em Guaíba agora?
Estamos fazendo o escoamento da água da chuva, que era para o governo fazer e não tem condições. A construção tem de começar no primeiro trimestre de 2018. Deve ficar pronta em menos de um ano. É um galpão simples, e a linha de montagem tem fabricantes aqui no Brasil. Como importamos a cabine da China, que representa mais ou menos 30% do caminhão, o trabalho mais pesado de estamparia não precisamos fazer. No Brasil, com essa volatilidade que tivemos, é preciso ter capacidade de adaptação. Por que os chineses foram embora? Porque não tiveram essa capacidade. O único nome chinês na área automobilística que foi pra frente é a Foton.
Desta vez não vai ser adiada?
Essa história toda aconteceu por causa da crise da economia, que não é brincadeira. Como vou fazer uma fábrica nova de 20 mil metros quadrados em um momento de crise, sem saber qual mercado real o Brasil vai ter nos próximos anos? Seria jogar dinheiro fora. No Brasil, a venda de caminhões é muito depende do PIB. Tivemos de redimensionar a fábrica. Estivemos com o prefeito, sabemos da ansiedade de todos. Mas o primeiro passo, que é fazer e vender o caminhão brasileiro, estamos fazendo. O mais difícil era fazer o mercado acertar o caminhão chinês e fazer o projeto de engenharia. O RS ganhou com a fábrica de caminhões da Foton. Foram dois anos muito difíceis, e eu pensei em paralisar processo. Coloquei muito dinheiro no negócio. Falei para os chineses: 'Ou vocês vêm agora, ou não tem condições de tocar para frente'. Eles vieram, com o compromisso que está sendo repetido com todos os fornecedores nessa linha de produtos novos e vão assumir responsabilidades financeiras, inclusive fazendo esse aval, que não é simples de obter. Sei que é chato, você está esperando um presente de Natal de R$ 10 mil e veio um de R$ 3 mil. Mas veio o presente de Natal.
O que muda para a Foton com a Rota 2030?
Vamos ter cinco anos para nos adaptar às exigências, e a Foton tem uma linha nova de caminhões, lançada no Chile, com quase tudo o que a Rota pede. O que não sabemos é como vai ser a importação, porque o IPI vai cair. Se vier alguma brecha de importação, a gente antecipa a importação do produto chinês, como fizemos com esse, e desenvolve a engenharia aqui. É evidente que no Brasil precisa ter proteção. Esse caminhão feito no Brasil é mais caro do que o que sai da China. Agora vai haver restrições tecnológicas. Para quem fabrica no Brasil, tem cinco anos para chegar nelas. Quem importa, tem de entrar com tudo isso.
O Mendonça de Barros economista vê o fim da recessão?
Escrevi um artigo com título "É recuperação cíclica, idiota". A inflação caiu, o salário real está crescendo, o desemprego parou de aumentar e, portanto, quem está empregado hoje tem mais segurança de gastar. Vamos chegar a 2020 com PIB igual ao que havia antes da bolha. Perdemos cinco ou seis anos, mas voltamos ao nível de atividade. Quando estoura a bolha e você tem política econômica correta, as coisas começam a funcionar naturalmente. Existem economistas que não acreditam no Brasil, avaliam que a sociedade deveria ser diferente. Sou pragmático. Você não muda a sociedade porque a política econômica está errada. E a nossa sociedade é isso: não tem poupança, tem essa farra de ostentação. Então você tem de operar nessas condições, e não em uma condição ideal que nunca vai existir. Vamos ter crescimento neste ano, no próximo, em 2019 e 2020. Daí para a frente, vai depender de reformas.