O cargo do economista Aloisio Campelo Jr. é de coordenador de sondagens conjunturais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Na prática, isso significa que ele tem, como poucos, o pulso de curto e médio prazo da economia. O que Campelo coordena são pesquisas de humor da sociedade brasileira – ele mesmo relata "escutar" dois terços do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Confiança e incerteza são dois dos termômetros que ele abastece mensalmente. A partir de 17 de maio, com a revelação das delações da JBS e o consequente envolvimento do presidente Michel Temer nas investigações, a tendência desse indicadores teve uma inflexão.
– Com a crise, não adianta nem fazer teste de popularidade para ver se Temer é o pior presidente do Brasil. Não importa mais. A questão é que ele não tem como governar – avalia.
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O resultado acima do esperado do comércio é mais um sintoma da fase de transição entre a recessão e a reação?
Sim. Há certa volatilidade nos resultados do setor. O resultado de janeiro foi muito bom, mas o varejo restrito (sem comércio de veículos e materiais de construção) teve queda em fevereiro e março. A média móvel trimestral é de recuo de 0,2%. Na verdade, o setor não está acelerando, ainda está desacelerando, mesmo que o resultado tenha surpreendido favoravelmente. A sondagem aponta para desaceleração em maio, então não é tão claro que o setor tenha retomado a expansão. A palavra é essa mesma, que tenho usado há algum tempo: transição. Os indicadores disponíveis apresentam essa combinação de variáveis, umas parecendo características de períodos de expansão e outras, de recessão. Passados três meses, continuamos com indicadores que, de alguma forma, retratam recessão. Há razões para crer que, pelas perspectivas que estamos vendo para a economia, que essa transição vai durar mais, é atípica, mais longa.
Existe transição "típica"?
Existe alguma relação entre a duração e o período de transição. As crises mais longas, principalmente as exclusivas do país, que chamamos de idiossincráticas, são acompanhadas de problemas nos fundamentos da economia, que terminam envolvendo necessidades de negociação, de medidas duras, que precisam de negociação. São essas questões que geram perda de confiança, dificuldades em ajustar a economia. Então, a transição demora um pouco mais. Mas acho que, dessa vez, está indo além da intensidade e da duração da recessão, porque há pontos delicados, por exemplo, como o endividamento das famílias. Tivemos aquele período fortíssimo de expansão de crédito entre 2005 e 2012. O governo, a partir da crise de 2008, passou a estimular o consumo, que já havia crescido com expansão do crédito. As famílias se endividaram de uma forma nunca registrada no Brasil. O endividamento das famílias não tão é tão alto, mas como o juro é muito alto no Brasil, a parte da renda comprometida é grande. Outra questão é que o mercado de trabalho ficou muito engessado. A indústria já não estava indo muito bem, mas não queria demitir porque acreditava em recuperação. Eram medidas de precaução, mas que terminaram gerando queda de produtividade. Agora, não há necessidade de repor pessoal, há muita ociosidade, então a contratação terá de esperar bastante. Por outro lado, há muita gente que parou de procurar emprego. Então, vai haver ainda sensação de desconforto por algum tempo, mesmo que o emprego no segundo semestre volte a cresce. Essa recessão tem características um pouco diferentes.
O agravamento da crise política já aparece nos indicadores de confiança, que foram o primeiro sinal de reação?
Nas sondagens empresariais, nós acompanhamos quatro setores, que são responsáveis por dois terços do PIB formal, com serviços, indústria, comércio e construção. São setores que são o núcleo dos ciclos econômicos. Nesses segmentos, houve sinais dúbios. No comércio e na construção, depois do dia 17 de maio (data da revelação da delação da JBS), houve queda forte das expectativas. Nos serviços e na indústria, apareceu até alta. Apesar da dificuldade para a retomada, há tendência de crescimento natural pelo fato de a inflação e o juro terem caído, o governo ter começado a tomar medidas de estímulo como os recursos do FGTS. Há cenário favorável a essa recuperação cíclica, até porque a economia caiu muito. Os agentes econômicos tem essa necessidade, empresas tem esse viés otimista, que tem que crescer, que precisam crescer, e a política econômica começa a ajudar. Na sondagem do consumidor, houve queda grande depois do dia 17. As previsões estavam melhorando na situação financeira das famílias. Depois de 17 de maio, ficou menos otimista, mas não chega a ser pessimista. Quando a gente pergunta ao consumidor sobre o que vai acontecer com a economia, as respostas foram totalmente diferentes. Havia crença na continuidade do processo de recuperação gradual, mas depois do dia 17 as respostas foram muito piores.
E o que ocorreu no indicador de incerteza?
Piorou muito. Estava diminuindo um pouco, três pontos, até o dia 17. No final do mês, subiu nove pontos. Esse indicador tem sido citado pelo Banco Central como uma medida de incerteza. Segue padrão internacional, de Princeton. Se isolarmos as respostas após o dia 17, a incerteza teria aumentado teria ido para o recorde histórico, 150 pontos. A máxima anterior era 145, em setembro de 2015. Depois, havia caído, mas fechou o mês a 128 pontos, subindo. A incerteza influencia as expectativas. Quando as empresas respondem que a execução do plano de investimentos é incerta, há probabilidade maior de reduzir investimentos no mês seguinte. Nesse cenário, se o investimento não for urgente, posterga. Há dois efeitos: um mais subjetivo, do espírito animal, a propensão a investir, e a disposição para o consumo. A crise política tem potencial para afetar o câmbio, o câmbio em alta torna o Banco Central mais cauteloso na redução do juro. Essa cautela pode reduzir o ritmo de recuperação. A massa salarial tem dinâmica de recuperação que vai a passos de formiga, mas avança um pouco. Tudo depende de quanto esse período de incerteza vai durar.
Essa incerteza pode ser duradoura?
No terreno da confiança, as expectativas futuras vinham subindo mais rápido do que a percepção sobre a situação atual. Talvez um pouco acima do que as condições da economia permitissem, estavam um pouco acima do razoável. A situação atual é contrária, porque há muita frustração, seguidas chances de retomada que não acontecem. Abriu-se uma boca de jacaré (distância entre as linhas de um gráfico) imensa entre expectativa e situação atual, tanto nos consumidores quanto nas empresas. É a primeira coisa que acontece quando há reversão na conjuntura. As duas percepções (sobre a situação atual e a futura) devem baixar. É possível que os índices de confiança interrompam a tendência de alta observada desde o início do ano. Pode ser uma barriguinha pequena, como nas manifestações de 2013. Talvez tenha impactado o PIB, porque foi quando começou a piorar. Houve motivações concretas, muitas lojas depredadas, algumas fechando, mas também teve efeito subjetivo. Agora estamos com a perspectiva de nova quedinha. Se resolver neste mês, mesmo retome a incerteza de antes, mas ao menos permita ver probabilidade para um cenário de transição em que a política econômica seria A, a condução das reformas seria B, é possível prever alguma coisa. Com a crise, não adianta nem fazer teste de popularidade para ver se Temer é o pior presidente do Brasil. Não importa mais. A questão é que ele não tem como governar. Enquanto houver essa turbulência, vai agir somente para se defender, como Dilma nos últimos momentos. Não consegue aprovar medidas no Legislativo e fica em situação defensiva. A paralisia do governo é percebida pela sociedade. Tem gente esperando a medida X para que possa abrir concurso, ou a medida Y, para resolver problema de um setor. As pessoas começam a perceber que tudo parou, a agenda não avança. Essa normalidade é uma sensação que Temer quis passar na primeira e segunda semanas. À medida que o tempo passa, fica mais difícil de construir essa percepção. A reforma da Previdência vai ficando longe, outras mudanças também. O que ele pode fazer é acelerar a concessão de aeroportos, portos, algo para mostrar serviço. O que precisar do Legislativo vai parar, e uma parte do que poderia colaborar para o crescimento vai ficar parado. Se demorar dois ou três meses, vai limitar o crescimento possível, que já era pouco. O cenário do segundo semestre fica nebuloso entre o ligeiramente positivo e o ligeiramente negativo.
Há risco de volta ao fundo do poço?
Só em um cenário de ruptura, no caso de se estabelecer uma crise pior do que a que temos no momento.
O que seria essa ruptura?
Se o presidente cair, ou for afastado em uma transição suave, se ele for afastado e entrar, por exemplo, o presidente da Câmara (Rodrigo Maia), e convocar eleições indiretas, é um cenário benigno a essa altura, daria sensação de estabilidade. Eleição direta teria que passar no Congresso, que legislaria contra si próprio. As pessoas escolheriam alguém com o discurso de iria detonar o Congresso, acelerar a Lava-Jato. Ruptura seria algo que causasse comoção pública, um impasse muito grande, do tipo que todos querem que o presidente saia, inclusive o Congresso, ele não sai e isso leva a muita manifestação de rua, conflitos, essa tensão toda. No caso de um impasse que dure muito tempo, poderíamos sim voltar para uma recessão. Na prática, não sabemos quando o Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos) dirá que saímos da recessão. Se a economia permanecer estagnada como agora e houver uma aceleração no final do ano, 2018 será ano de crescimento baixo, mas contínuo. A saída da recessão poderia se dar em algum momento até nesse ano. Tudo depende do que vai acontecer.
A essa altura, o "pacote de bondades" que estaria sendo montado pelo governo para "mostrar serviço" ajuda ou atrapalha?
Atrapalha. Se afetar a perspectiva de caminhar rumo ao ajuste fiscal, ao equilíbrio, atrapalharia. Se tentar liberar mais recursos do FGTS, ou acelerar o processo de concessão de obras de infraestrutura, se o governo conseguir contratos que sejam favoráveis com o apoio do setor privado e voltar a investir, de recursos de fora, é possível que faça algum efeito. Bondade seria liberar recursos de FGTS.