Da criação à valorização, o bitcoin aparecia como a reinvenção do dinheiro. Depois do ciberataque que derrubou sistemas em diferentes países, a falta de regulação passou a pesar: o resgate foi exigido em dinheiro virtual. Para entender os efeitos do episódio, a coluna ouviu Rodrigo Batista. O empresário administra o Mercado Bitcoin, site que faz a intermediação de moedas digitais.
Como estão as negociações com bitcoins no Brasil?
O mercado está se desenvolvendo de maneira bem rápida. O Brasil tem tradição de demorar um pouco para usar novas tecnologias. Mas, quando as adota, costuma ser um processo muito rápido. Fomos um dos últimos países a adotarem o Facebook de forma massiva. Depois, o Brasil passou a ser um dos maiores países na rede social. Acho que será a mesma situação com o dinheiro digital. Já vemos isso ocorrer.
Nos primeiros quatro anos, de 2011 a 2015, o Mercado Bitcoin cadastrou 100 mil clientes. Em 2016, mais 100 mil. A expectativa para 2017 é cadastrar outros 200 mil. Esse fenômeno começou a ocorrer há um ou dois anos no Exterior. A projeção é terminar 2017 com 400 mil pessoas cadastradas. Só para ter uma dimensão, a Bovespa tem 500 mil clientes.
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O pedido de resgaste em bitcoins no megaciberataque perturba esse movimento?
Há duas faces da mesma moeda. A primeira, obviamente, é que o bitcoin foi associado pelo grande público a uma atividade criminosa. Isso terá de ser apagado ao longo dos anos. Esse lado negativo, toda tecnologia tem. Por exemplo, o celular também é usado em presídios, e a culpa não é do aparelho ou da tecnologia. É do Estado. Em algum momento, as polícias terão mais meios para combater crimes virtuais com eficiência. Isso faz parte do avanço da tecnologia.
Por outro lado, o ciberataque trouxe benefícios ao bitcoin. Muita gente ouviu pela primeira vez essa palavra. Também abriu os olhos das pessoas para segurança digital. Não havia tanta preocupação, que agora passa a ser bem maior. Isso se refletiu nas ações de empresas de segurança da informação, que subiram nos últimos dias. Aumentará a demanda de empresas e pessoas por esses serviços. É um efeito positivo no longo prazo.
Não evidenciou que falta regulação ao bitcoin?
Há um caso famoso do Silk Road, um site que vendia drogas nos Estados Unidos. O FBI usou técnicas de investigação bem parecidas com as de checagem de e-mails. Prendeu e chegou a quem comprava e vendia drogas no site. Basicamente, usaram técnicas de investigação digital que já existem para chegar ao operador do site. As polícias sabem usar isso há algum tempo.
No caso do Brasil, quando você negocia bitcoins, está sujeito à lei. A nossa empresa, ao Procon. Se você tiver problema com o Mercado Bitcoin, terá de recorrer ao Procon. Quem compra bitcoins também tem obrigação de declará-los à Receita Federal, que colocou em seu manual como isso deve ser feito. O que se espera é que seja criada nos próximos anos legislação específica para o bitcoin, como as de ouro e moedas estrangeiras.
Desde 1º de abril, no Japão, o bitcoin foi regulado como moeda, da mesma forma que divisas estrangeiras. A Austrália está começando a fazer algo semelhante, o que é benéfico. Dá segurança.
Quais os principais benefícios e as maiores dificuldades do uso de bitcoins no Brasil?
A maior dificuldade ocorre no mundo inteiro. É o processo de compra. É preciso se cadastrar em sites como o do Mercado Bitcoin, enviar documentos e dinheiro. Depois, transferir os bitcoins e cuidar deles. Tem muitos passos. Cabe a nós, do mercado, melhorar isso. É algo que conseguiremos fazer.
Entre as vantagens, vejo que há muitas pessoas que usam bitcoins para receber por serviços pagos no Exterior: por exemplo, um designer brasileiro que faz um trabalho lá fora. Receber em bitcoins está virando a primeira opção. A moeda está entrando nesse meio de pagamentos de serviços.
Quais os principais motivos para a valorização recente do bitcoin?
A moeda digital vem se valorizando durante o ano inteiro por conta da expectativa com a regulação no Japão. Isso causou aumento na demanda dos japoneses. O país virou um mercado com mais volume por conta da certeza jurídica. Foi um fator determinante.
Outro está relacionado à eleição de (Donald) Trump nos Estados Unidos. Desde o ano passado, talvez um pouco antes, o bitcoin é visto como porto seguro, um ativo para o qual correr em tempos de incerteza. O banco Saxo (da Dinamarca) apresentou relatório no fim de 2016 em que afirmava que, com as incertezas relacionadas a Trump, o preço do bitcoin poderia ir de US$ 700 para US$ 2 mil. Hoje, está em torno de US$ 1,7 mil.
Outro ponto importante foi o bitcoin se tornar bastante popular na Venezuela, que praticamente ficou sem moeda. Virou uma opção para os venezuelanos.
Como empresas como a sua se remuneram?
É bem simples. Em linhas gerais, apenas intermediamos compra e venda. Não vendemos nem compramos. A remuneração da empresa é de, em média, 2% sobre o que o cliente deposita para comprar no site. É uma comissão.