Boa parte da freada nos preços deve ser creditada à recessão, mas até os mais céticos foram surpreendidos pelo resultado do IPCA em fevereiro, o mais baixo para o mês desde 2000. A taxa mensal de 0,33% veio muito inferior à média das expectativas, que se situava entre 0,43% e 0,44%. Ou seja, uma boa surpresa em um momento delicado.
Para comparar, em fevereiro de 2016, a alta média dos preços havia sido quase o triplo, de 0,90%. Com 4,76% de inflação acumulada em 12 meses, o resultado deve reforçar as projeções de que o IPCA feche este ano até abaixo do centro da meta do Banco Central (BC), de 4,5%. Os preços dos alimentos recuaram 0,45%, algo de que muitos brasileiros nem se lembravam. Na média, os valores da alimentação no domicílio (compras na feira, no supermercado ou na venda) caíram 0,75% no mês, enquanto as refeições fora de casa ainda tiveram pequena variação positiva, quase imperceptível, de 0,11%.
Com a inflação rodando abaixo da expectativa e "cabendo", enfim, no centro da meta, o BC fica mais à vontade para afiar a tesoura que passará no juro dentro de um mês. A instituição havia sinalizado a possibilidade, que a inflação só reforça. Em vez da cautelosa poda de 0,75 ponto percentual, pode chegar a 1 ponto.
É algo que começa a ficar parecido com a normalidade, depois que o Brasil desafiou todos os manuais de economia ao registrar, no mesmo ano, o avassalador 2015, inflação acima de 10% e queda no Produto Interno Bruto (PIB) de 3,8%.
Inflação sob controle desafia os céticos e seria motivo de euforia não fosse o restante do cenário, contaminado desde quinta-feira pela expectativa da quebra do sigilo das delações dos 78 executivos da Odebrecht. Essa é a outra parte da equação: o aumento da incerteza representado pelas revelações – mais do que inevitáveis, desejadas, para finalmente avaliar o tamanho real desse impacto que há meses paira sobre o país.
Leia mais
Reforma da Previdência enfrenta fortes resistências no Congresso
Reforma da Previdência precisa dividir sacrifícios entre todos
"Sem reforma da Previdência, não há chance de ajuste fiscal", diz especialista
As delações originadas do maior orçamento e da mais organizada estrutura dedicados à corrupção não sinalizam o fim do processo de ajuste de contas, mas vão ajudar a demonstrar quão profundamente os líderes políticos e econômicos do país se aliaram para assegurar ganhos restritos a projetos e a campanhas, se não para enriquecimento pessoal.
Ainda haverá dias tensos até que os brasileiros tenham acesso a todas as informações. Vão aprofundar a crise de representação, sacudir o mercado e a confiança de investidores, mas são um capítulo incontornável, ainda que tenebroso, da história do Brasil.