O assunto da Fnac do Brasil ficou tão confuso, com a matriz francesa falando em “retirada” e a filial nacional mencionando “reforço na operação”, que a coluna buscou ajuda. Alexandre van Beeck, sócio-diretor da GS&Consult, empresa de consultoria com foco em varejo, relações de consumo, marketing e canais de distribuição do Grupo GS& Gouvêa de Souza, aposta em saída.
Como entender esses dois sinais da Fnac que parecem contraditórios?
Entendi que está saindo realmente do Brasil e busca um parceiro para ficar com as lojas, os pontos. A informação que ficou, para mim, é que eles estão saindo.
As causas são as apontadas pela empresa – operação pouco relevante no país, necessidade de se focar na Europa –, ou a crise nacional é outro motivador?
O segmento em que a Fnac atua, focado em livros e eletrônicos, está sofrendo, independentemente da crise, uma grande mudança. A forma como os consumidores buscam esses produtos está mudando. Isso já ocorreu nas livrarias, especialmente no mercado americano, mais maduro, e o consumidor no Brasil também busca mais opções de consumo pela internet. Livros, revistas e outras publicações já representam 14% do que é vendido por e-commerce no Brasil. É a categoria que mais vende. A segunda é a dos eletrodomésticos, com 13% do total, outra em que a rede atua. E a Fnac nunca teve atuação muito forte no e-commerce. As vendas digitais nunca foram representantivas.
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Por opção?
Entendo que sim. É preciso ter direcionamento interno para desenvolver uma estrutura adequada. A rede tinha poucas lojas, 12 no Brasil. Eles ficaram reféns de um formato de megalojas, modelo que hoje já não se mostra competitivo, sem capilaridade forte, que consiga força no varejo como tem uma Saraiva, por exemplo, que é a maior rede nacional. E ainda há rumores, sem confirmação das partes, de uma fusão entre Saraiva e Cultura. O mercado de livros e de eletrônicos mudou. Focado em preço e sem digital, é uma luta inglória. Ou você consegue ter capilaridade que permita trafegar com estoques, ou melhora o serviço, de atendimento prestado, aliado ao e-commerce, ou perde competitividade.
Qual é o papel da crise?
A crise no Brasil só está baixando a maré. Quando isso ocorre, mostra as deficiências que já existiam, mas antes a melhor situação permitia trafegar. Vejo a Fnac refém desse modelo de megalojas físicas, poucas unidades, com competitividade bem limitada, sem avançar no e-commerce. Por outro lado, o consumidor tem um perfil de compra cada vez mais condicionado, faz pesquisa, vai para a internet comparar preço. Depois decide onde vai comprar. Se vai à loja, tem de ser bem atendido, tem de ter um diferencial...
A famosa experiência de compra...
(risos) É, até evitei a expressão, porque parece chavão, mas tem de ter algo a mais na proposta da loja do que simplesmente expor produto e preço. Você vai em uma loja para ver um modelo de TV, depois vai pesquisar. Então tem de ter algo a mais do que simplesmente expor produto e preço.
No geral, como a crise ainda afeta o varejo? Há algum sinal de despiora?
Há indicadores que mostram que a confiança está melhorando. Há alguns investimentos, até em infraestrutura. Há empresas que anteviram a crise ou conseguiram ser mais rápidas para passar pelas dificuldades. Já que não conseguem cobrar mais, aumentar o volume, fizeram dever de casa, aumentaram a eficiência operacional. Muitas estão fechando lojas deficitárias, optando por operações mais rentáveis. Se compram melhor, gerenciam melhor os estoques. Há bons resultados no atacado, nas farmácias, que estão crescendo. O mercado está se movimentando para conseguir atender aos novos perfis de consumo e a situação econômica como está hoje. Não é todo mundo que está em crise.
Outras redes globais podem abandonar o Brasil, ou cada caso é um caso?
Cada caso é um caso. Depende da estratégia global. A operação brasileira da Fnac representa 2% do total, então tinha baixa representatividade, apesar de não ser pouco o dinheiro que circulava aqui dentro. Mas o Carrefour, por exemplo, se readequa para lojas pequenas, abre uma atrás da outra em São Paulo. Depende muito do suporte internacional da rede.