O Capítulo Rio Grande do Sul do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) está determinado a engajar empresários do Estado para avançar nas boas práticas de gestão. Para ajudar no esforço, seu coordenador, Leonardo Wengrover, passou dois dias visitando empresas com a superintendente-geral do IBGC, Heloisa Bedicks. Em uma pausa, ela comentou os desafios de tirar os conceitos do papel e o custo de não fazê-lo.
Como falar em boas práticas de governança corporativa em meio a tantos desvios revelados pela Lava-Jato?
Estamos em fase de transição, em que os valores estão sendo resgatados. Os negócios, da forma como foram feitos nas últimas décadas, passaram longe da transparência, da prestação de contas, da conduta ética, que são os pilares da governança corporativa. Empresas sofrem na pele o que fizeram de inadequado no passado. Estão tendo de se ajustar na marra. A OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) obrigou o país a ter uma lei anticorrupção. Sem essa pressão, talvez a medida não tivesse saído. O Congresso tentou ser ágil e dar resposta ao problema das estatais. Criou a Lei das Estatais, que ficou muito prescritiva. Replica outras leis, como a das Sociedades Anônimas.
Para o mundo da governança, vemos isso com bons olhos. Estamos em uma crise econômica, política e social gravíssima. A esperança é de que esse momento de ajuste seja para o bem, que as empresas realmente adotem os princípios de transparência. Estamos vendo que os principais executivos das empresas que não estavam tendo conduta ética esperada estão sendo punidos. O top-down, o exemplo que vem do topo, é muito importante. Vemos que, em várias empresas do ramo da construção, os acionistas têm agora a preocupação de fazer a estrutura de compliance e governança na essência, e não só na aparência. Se olhássemos há cinco anos as companhias envolvidas na Lava-Jato, diríamos que tinham governança adequada, com boas práticas. Na verdade, era só aparência. Existia um câncer no Brasil que se alastrou de tal maneira que se institucionalizou. Serão necessários muitos anos para que o investidor estrangeiro volte a ter confiança no país. Perdemos uma oportunidade muito grande. O Brasil não é membro da OCDE, mas sofreu uma pressão de organismos internacionais.
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Quando o "jeitinho brasileiro" é virtude e quando se torna vício?
É uma virtude quando executivos brasileiros se dão bem no Exterior, porque têm boa flexibilidade. O executivo brasileiro mais experiente conviveu com períodos inflacionários nos quais tinha de fazer acontecer. O ruim é quando a criatividade, aliada à flexibilidade, é usada para o lado negativo. Nos últimos anos, houve conivência na relação de corruptor e corrupto. Se a empresa quer estar na concorrência e dá dinheiro para um funcionário público, há lado negativo para os dois.
O brasileiro não tolera mais corrupção por conta do caráter institucional que adquiriu no país?
Chegamos a um nível em que, nos grandes negócios, nada evoluía sem algo embutido, uma "gratificação". A ambição foi grande demais, e gerou a revolta da população. Sou da década de 1960, vivi os anos de ditadura militar no Brasil. Não se ia às ruas para fazer protestos. A nova geração é mais livre, tirando quem vai para depredar, que é errado.
No IBGC, trabalhamos para que haja equilíbrio entre as informações positivas e as negativas. Em um relatório anual, não se conta apenas o lado bom. Se houve um fato relevante negativo, é preciso que haja transparência em revelar as duas. No nosso Código das Melhores Práticas, está claro esse equilíbrio. A publicação está na sua quinta versão, é a nossa Bíblia. Foi a base para o Código Brasileiro de Governança Corporativa que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários, que regula o mercado de capitais no Brasil) lançou. A partir de 2017, essas companhias terão de cumprir o código ou explicar por que não estão obedecendo.
Em um momento de fragilidade financeira como este, o custo da governança é maior?
A adoção de práticas de governança é um processo, tem uma jornada. Uma empresa familiar nos contou que tinha um conselho formado só por membros da família. Em determinado momento, sentiu a necessidade de levar um conselheiro externo. Vejo o Rio Grande do Sul como berço de empresas familiares. Percebemos começam com um pequeno conselho. A partir daí, sente-se a necessidade de trazer alguém de fora, para fazer com que as discussões sejam mais ricas. Os custos crescem conforme o tamanho e a maturidade da empresa. Em grandes companhias, além do conselho de administração, há comitês de apoio ao conselho. Comitê de estratégia e de gestão de pessoas, por exemplo.
Penso sobre as empresas envolvidas em operações como a Lava-Jato e a Zelotes. Será que o custo financeiro, pessoal e reputacional valeu o quanto foi ganho ou não foi gasto para ter uma estrutura de governança e compliance adequada? Agora, é correr atrás do prejuízo. As companhias estão montando estruturas parrudas de governança e compliance. Fiquei sabendo que, nos acordos de leniência que vão envolver os Estados Unidos, haverá monitores designados pelos departamentos americanos de Justiça e de Estado. O custo desse monitor terá de ser pago pela empresa. O monitor verá se o que foi definido no acordo será cumprido. Discutimos até que ponto esse profissional deverá ser um americano ou um brasileiro isento que conheça a cultura e as práticas locais.
Como o IBGC pode ajudar as empresas neste momento de síndrome do calote?Temos um lado forte em publicações e outro em cursos. Quem faz um curso do instituto será um multiplicador no seu trabalho, passando a outras pessoas o que aprendeu. Com os cursos, nosso sustentáculo financeiro, cumprimos o propósito de disseminar as boas práticas de governança. Neste ano, houve procura maior pelas atividades. As crises acabam fazendo com que as pessoas tenham maior preocupação em se informar sobre governança. Apesar disso, não gostamos das crises (risos).
No Rio Grande do Sul, vamos fazer visitas a empresas e entidades para engajá-las. Governança existe para qualquer tipo de organização, independentemente do tamanho. À medida que a empresa evolui, a estrutura se torna mais forte, parruda. Somos do terceiro setor e temos uma estrutura de governança muito boa.