Gaúcho de Porto Alegre, Harro Burmann fez carreira na americana Dana e se considera especialista em reestruturação. Foi o que o levou da antiga Albarus para os Estados Unidos, cuidando de 35 plantas ao redor do mundo. Certo dia, recebeu convite para tocar o problemático Estaleiro Atlântico Sul no Brasil e não hesitou. Chegou, reduziu a equipe de 7 mil para 2,5 mil quando o país ainda não havia entrado em recessão. Passada a tempestade, estabilizou o time e, agora, está contratando, relatou ontem pela manhã durante a sétima edição do evento Fórum Respostas Capitais, realizada no Espaço Clientes, na sede do Grupo RBS.
– É preciso pensar em quanto irá salvar, porque se não fizer nada, a empresa quebra e todos vão ficar sem emprego.
Diz que a indústria naval do país renasceu sem produtividade, garante que está fazendo sua parte e pondera que, se tiver um pouco de tempo e muito trabalho, será possível viabilizar a produção nacional de navios.
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Você assumiu o Estaleiro Atlântico Sul (EAS) depois de um longa carreira na Dana. Que aprendizados levou?
Comecei como estagiário na antiga Albarus e, quando a Dana quebrou nos Estados Unidos, fomos chamados para ajudar. Passei cinco anos e meio lá. Havia 75 mil funcionários na época. Com a reestruturação, passou para 25 mil. Depois, ao Brasil e fui convidado para ser o presidente da Dana aqui. Fiquei por seis anos no cargo. Por trabalhar em uma multinacional, você é visto como gringo. Sempre tive vontade de fazer algo pelo país. Quando chegou a história do estaleiro, falei para minha mulher, Letícia: 'Acho que vamos para Recife'. E fomos.
Quando a Lava-Jato explodiu, respingou no estaleiro, que era parte Camargo Corrêa, parte Queiroz Galvão?
Comecei a trabalhar em julho no estaleiro. Havia turbulência de um caso envolvendo a Sete Brasil, que não estava pagando as contas. Em novembro e dezembro, o estaleiro fez o primeiro cancelamento de contrato. Em seguida, estourou a Lava-Jato. Meu pai me ligou e disse: 'O que você foi fazer lá?' (risos). Na época, tomamos a decisão de fazer uma auditoria forense. Contratamos duas companhias para a investigação. Todos que estão lá agora foram contratados por mim. É um time novo. Tivemos parecer positivo após a auditoria. Fizemos a investigação, tudo estava certo. Seguimos o trabalho.
Qual era a situação do EAS quando você assumiu? E qual é a atual?
Quando cheguei lá, três navios haviam sido entregues. A produção naval é medida por HH (horas-homem). Chegamos a fazer navios com 9 milhões de HH. Perguntei para consultores japoneses qual era a medida deles. Era menos de 700 mil HH. Aí chamei a gauchada para lá. A Dana sempre foi um celeiro. Todos disputavam nossos guris. Fui em busca deles, que estavam mais velhos. Iniciamos o processo de excelência em fábrica. Começamos a fazer kaizen (prática japonesa de melhoria contínua de produtividade). Hoje vi duas obras na frente de minha casa, com quatro operários, e só um trabalhava, os outros assistiam – produtividade abaixo de zero. A situação era mais ou menos essa no estaleiro. Comecei a ver que era como um desfile de moda. Os caras caminhavam para lá e para cá. Parecia a Rua da Praia no horário de pico. Máquinas eram guardadas em armários, computadores tinham cadeados por medo de roubo. A cultura na empresa era meio ruinzinha. Começamos a aproximar máquinas e materiais dos funcionários. Desenhamos os pilares dos processos. Havia 7 mil pessoas, ficaram 2,5 mil. Fizemos uma virada significativa. Tenho dois desafios: tocar a fábrica para a frente e pagar o passado. E estamos admitindo agora. É importante ser produtivo. O estaleiro chegou a ter 11 mil pessoas. Fecharemos este ano com 2,4 mil empregos diretos. No total, com 3 mil ou 3,2 mil. Contratamos 600 pessoas. De julho a dezembro de 2017, a meta é contratar 1,2 mil.
Como o estaleiro fechou contrato no Exterior?
Entendemos muito de gente e processos. Sabemos executar. Em 2014, estávamos naquele pingue-pongue com a Sete. Foi engraçado que um banco nos procurou e disse que havia interesse do Exterior para a produção de oito navios. Meus engenheiros falaram que os navios eram pequeninhos e que nosso estaleiro era para um troço maior. Disseram que nem devia perder tempo. Chamei outro engenheiro, que disse que era importante esperar. Em março de 2015, cancelei os contratos por falta de pagamento. Até hoje estamos em disputa. Na época, o estaleiro tinha mais 18 navios para fazer. Tínhamos carteira até 2019. Três anos de carteira são o normal para planejamento. Cinco anos, o ideal. Vimos, no ano passado, que a carteira não pagaria as contas. O investimento no estaleiro foi de R$ 2,2 bilhões.
Temos de pagar isso. Essas obras foram financiadas em 20 anos. O governo, se quisesse ajudar, poderia dar prazo de 30 anos. Essa solução, o alongamento da dívida, seria para quem está vivo, não para quem já está morto. Na época, como não teríamos condições de pagar as contas, perguntei se queriam ainda os naviozinhos. Estavam interessados por duas coisas: os ativos do estaleiro e a credibilidade. Eles nos escolheram. Não fomos nós que os escolhemos os caras. Começamos as negociações. O modelo de negócios que eles querem é um pouco diferente. Então, inovamos baseados nisso. Está bem perto de assinarmos.
Qual é o cliente? E qual o valor do contrato?
Esses caras são gente do ramo. A South America Tankers (Satco) será uma filiada da Eastern Pacific Shipping (EBS), a maior empresa construtora de navios do mundo. São israelenses. O dono é o segundo maior milionário de lá e o 300º do mundo. Então, sabemos com quem estamos. Esses caras não são como casamento. Temos de dar uma olhada na conta deles antes (risos). Casamento é por amor.
Há um pré-acordo assinado com a Satco?
Isso. Estão vendo que a Petrobras não vai investir. Acho que o Pedro Parente (presidente da Petrobras) está certo. Temos de ser competitivos antes. Sem isso, não adianta. O contrato que fizemos é de oito ML's e mais cinco DB's. ML é um naviozinho menor, que transporta produtos. Os outros são para óleo. São bem grandinhos. A Satco será uma empresa brasileira. Com isso, haverá concorrência para a Petrobras no transporte. O Brasil terá navios de qualidade. Disse que colocaria a indústria em outro patamar. E vamos, vamos mudar o patamar.
O pessoal só se lembra da indústria brasileira nas décadas de 1960 e de 1970. Em 1960, não era nem nascido. Não me lembro desse negócio. O Brasil já foi bom. Estamos recomeçando agora, mas é preciso continuidade, o que não aconteceu no passado. Continuidade é o ponto básico. Os velhinhos – velhinhos, não, senhores – que têm conhecimento não conseguem colocá-lo em prática. A indústria brasileira não é avançada em processos. Quando somos produtivos e a indústria não cresce, há desemprego. Temos de balancear a equação. É preciso crescer para ter a produtividade necessária e manter empregos.
A Petrobras não é cliente direta desses novos navios, mas sem a companhia não haveria encomendas, certo?
A história do pré-sal muda, porque há novos players. Agora, uma Shell pode contratar navios. Esses novos players obrigam a vinda de navios importados ou de fabricação no país. Com certa proteção por um tempo, criaríamos demanda interna. Foram construídos estaleiros no Brasil. Professores sempre falaram em quatro pilares. Um deles é gestão, que foi um fracasso em estaleiros. O segundo é processo. Os outros são infraestrutura, em que o governo não investiu, e tecnologia. Somos privilegiados em tecnologia no EAS. Só nós temos Goliath, guindastes da altura de 10 andares.
Como é este negócio que vocês usam para olhar empregos? Linkedin. Quando você olha o site, há um mapinha do Brasil, com as empresas que identificam os Estados. No Rio Grande do Sul, é a Lojas Renner. Em Pernambuco? O Estaleiro Atlântico Sul. O que pode alavancar a indústria naval é a relação de gestão e processos. Não precisa gastar dinheiro no resto. Estamos fazendo transformação sem gastar dinheiro, com gente, conhecimento, usando consultoria, gente de outras empresas. Há desconexão entre o cara com prancheta e o cara soldando. Botei 18 caras num avião e mandei para o Japão para ficar duas semanas lá treinando em estaleiro. Era uma gurizada. Comeram sushi de verdade. E nós transformamos a indústria naval em uma linha de produção. A mão de obra é muito boa lá (em Pernambuco), até porque são muito religiosos, rezam todo dia para a gente dar certo.
Paulo Menzel, diretor da Intelog
Qual sua visão sobre a capacidade do Brasil e do mundo para a produção de navios de cabotagem?
Visão sobre o mundo, não tenho ainda. Sei sobre a visão de um cliente, que quer vir para cá e movimentar bauxita. Até agora não precisei vender navios, são os caras que me compram. Sei que as empresas ganham dinheiro aí. Não é transportando óleo. O grande transporte é de minério. Esse é o próximo passo. Em cabotagem, o que o nosso pessoal está vendo como bom caminho é o estímulo à produção de navios. Mas hoje ainda não é competitiva.
Vilson Noer, presidente da Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo (AGV)
Como podemos reduzir o desemprego no país sem deixar de lado a produtividade?
Estamos contratando. Em 2014, vimos que aquele não era o número de funcionários. Fizemos um plano focado em três comunidades, para terem bom plano de saúde, transporte de qualidade. Na época, diziam que o país estava uma maravilha, mas víamos que não era. Enxergamos dificuldades em nossos clientes e sabíamos que algo estava errado. Aprendi que nunca se deve colocar os ovos na mesma cestinha. Nem todos os setores vão estar em crise. Aqui, qual é o plano? Para que lado vamos crescer? No Brasil, é cada um por si e Deus por todos. Acho que estou fazendo minha parte pelo país. Falta um plano para entender os movimentos de mercado. E cada um deve fazer seu tema de casa. Não é fácil demitir. Mas falta um plano para o país. Quem tem mais empresas consegue fazer algo diferente. As federações talvez não consigam fazer esse movimento. Na produção, é preciso observar. O modelo Toyota de produção nasceu assim. Gerenciei fábricas em 35 países. Montei fábrica na Índia. Fechei fábrica em Paris, foi chique (risos). Máquina é tudo igual. Processos, melhor é desenvolvê-los, mas se não der, pode-se comprar. Meu pessoal é diferente porque tem religiosidade. Estou aprendendo a gerenciar esse fator. Todo os dias, antes de começar a trabalhar, a gente faz ginástica e reza.