Presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato não esconde que o setor anda em meia fase. Amparado por páginas com resultados, Barbato conversou com a coluna em evento da entidade regional. Para este ano, projeta queda de 9% no setor nacional, mas vê fagulhas de recuperação em 2017.
Veja a entrevista completa:
Como a indústria eletroeletrônica está passando pela crise?
O cenário como um todo é difícil e, no segmento, ainda mais difícil. Estamos trabalhando com 69% da capacidade instalada no país. É bastante baixo. Temos 31% de ociosidade. A queda na indústria como um todo foi até menor. A área de bens duráveis sofreu maior impacto, considerando que são produtos que atendem diretamente ao público. O desemprego também criou dificuldades.
A valorização do real desestimula as exportações?
Sem dúvida, estamos sentindo os reflexos. Percebemos os impactos na queda das exportações deste ano em relação a 2015. O setor eletroeletrônico tem muita dificuldade para exportar com o câmbio abaixo de R$ 3,50. No início do ano, com a alta do dólar, as empresas saíram para buscar negócios. De janeiro a setembro deste ano, as exportações caíram 2,4% na comparação com o mesmo período de 2015. Está muito difícil fechar novas negociações com o dólar abaixo de R$ 3,20. O câmbio nesse patamar tem dois problemas: diminui exportações e cria competitividade não genuína com a indústria nacional. As importações ficam mais baratas.
Bem antes de chegar ao nível de R$ 3,12, na segunda-feira, conversamos com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. O encontro foi após o presidente Michel Temer assumir o posto interinamente. Pedimos que o país tivesse outra política, que não deixasse o câmbio ao Deus-dará do mercado. A indústria pagou um preço enorme por isso desde 2003, até por certa irresponsabilidade. Isso não é justo porque acaba trazendo falta de competitividade, que não é resultado da falta de investimento. É um problema que trouxemos de fora para dentro de casa.
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Há aumento de pedidos de recuperação judicial no setor?
Existem alguns pedidos. O nível é o mesmo da indústria em geral. Na Abinee, há grandes empresas, transacionais, que conseguem atravessar a tormenta com maior facilidade, mas estão fazendo grandes sacrifícios. A redução dos custos de operação não está relacionada apenas à mão de obra direta. Também há cortes nas direções das companhias. O momento é muito delicado. É evidente que as empresas nacionais estão pagando preço maior, considerando também a taxa de juro do Brasil. Se dependerem dos bancos, inviabilizam seus negócios.
A pequena poda no juro básico ajuda ou a melhor expectativa é esperar os próximos?
Acreditamos que o país chegará, no fim de 2017, a um juro ao redor de 10%. Da forma como éramos governados, o único instrumento para tentar segurar a inflação era a taxa Selic. Agora, com a PEC 241, há demonstração para o mercado de que haverá maior disciplina fiscal. O ambiente está mais favorável para queda do juro. A inflação começa a dar sinais de baixa. Além disso, as expectativas têm de estar favoráveis. Com projeção desfavorável, falando popularmente, desgraça pouca é bobagem. Sem disciplina fiscal e com preços administrados de maneira irreal, cria-se uma bomba para o futuro. A bomba explodiu agora, na mão do novo governo, que é obrigado a fazer toda essa ginástica e dar demonstrações de que há ambiente político para sustentação a medidas de austeridade.
O pior já passou ou ainda pode haver surpresas negativas?
Chegamos ao fundo do poço. Quando batemos o pé lá embaixo, foi como um trampolim. Estamos no estágio de aproveitar o impulso da batida no fundo do poço. Não é nada para ficarmos extremamente animados. Falta muito a ser feito. Mas estamos tomando atitudes que começam a demonstrar, para os brasileiros e para o mundo, que o país é viável e que superaremos a crise. As mudanças necessárias, do ponto de vista político, foram feitas. Nos últimos anos, a política nunca havia influenciado tanto a atividade econômica.
Quais as projeções da Abinee para o PIB em 2017 e para este ano?
Crescimento de 1% a 1,5%. Se a economia subir 1%, a indústria eletroeletrônica terá alta de 3%. É uma correlação histórica. O segundo semestre é sempre melhor do que o primeiro no setor. A expectativa é terminar empatado com 2015 em faturamento nominal, de R$ 142 bilhões, mas queda real de 9%.
A situação das indústrias eletroeletrônicas gaúchas é diferente do cenário do restante do país?
É bastante diferente até pelos problemas fiscais do Rio Grande do Sul. No momento em que o Estado não consegue pagar os servidores públicos, eles não podem comprar geladeira ou celular, por exemplo. O Rio Grande do Sul, assim como outros Estados, cria dificuldades para os negócios. Felizmente, deveremos ter melhoria substancial com a lei de repatriação de capitais, um recurso extraordinário que vai melhorar um pouco as finanças. Esses fatores começam a ajudar o ambiente. No caso de Rio Grande do Sul e outros Estados, como Rio de Janeiro, a situação é muito complicada. Com o represamento dos salários dos servidores, há menos consumo de bens duráveis. A indústria instalada aqui sofre outra dificuldade, que é a dependência da Petrobras. Há forte área de automação no Estado. Isso gera demissões e, consequentemente, menos consumidores. Mas acreditamos que, a partir do próximo ano, o setor comece a se recuperar um pouco.